A geração à rasquinha

por Adriana Cardoso,    13 Outubro, 2022
A geração à rasquinha
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A geração mais preparada de sempre quer ficar em Portugal mas, no entanto, tem o triste fado do país que o pós-25 de Abril lhe deu. O legado da escola e universidades públicas não a conseguiu reter. Três em quatro jovens recebem menos de 950 euros, e estamos sujeitos, em larga maioria, a pelo menos uma atividade laboral precária até fazermos 30 anos.

De facto, a mobilidade social é o pilar da nossa democracia. Contudo, quando um curso académico, que é a única forma de mobilidade para jovens desfavorecidos e com pais pobres, apenas nos protege (e nem em todos casos) de estarmos desempregados, o elevador social está avariado.

O preço dos T1 mais baratos no concelho de Lisboa e centro do Porto para arrendamento rondam os 750€. Vivemos num país altamente centralizado, que concentra serviços e grandes empresas nas suas duas maiores cidades. Desta forma, somos confrontados com a seguinte escolha: permanecer onde nascemos sujeitos a salários em quase 20% inferiores aos dois grandes centros urbanos, ou mudamo-nos e aceitamos viver com baixa qualidade de vida.

Esta semana ocorreu a apresentação do novo orçamento. A atualização de escalões abaixo da inflação não é uma medida de alívio fiscal para os portugueses, porque significa que os valores de inflação consomem a alteração. Trata-se de uma escolha política deliberada, nomeadamente porque em Agosto se atingiu o valor de receita fiscal esperada para o resto do ano. 

Um dos maiores dramas que as famílias, e especialmente jovens casais, atravessam é o aumento dos juros de crédito à habitação. Porém, a grande medida do OE é uma diminuição da retenção na fonte em sede de IRS de quem tenha um empréstimo à habitação. Isto é apenas e só um truque, e em boa verdade uma diminuição do empréstimo a juro zero que o trabalhador faz ao Estado. Se diminui a retenção, o único fenómeno que se verifica é que na altura da devolução ou pagamento do IRS esse valor é menor. É uma medida de impacto 0.

Ainda, ao adiantar em 2022 o pagamento de metade do aumento das pensões para o próximo ano, o governo garante que a base de partida para 2024 seja manifestamente inferior, resultando numa real perda de rendimentos, já estimada na casa dos mil milhões. 

A grande medida para a juventude é o alargamento do IRS Jovem, uma medida com um custo orçamental de uns míseros 15 milhões. Num país com programas de habitação acessível com tão baixas dotações, seja para jovens trabalhadores ou para estudantes universitários, parece-me que não tentar sequer resolver estes problemas pela via orçamental é um bom indicativo do facto da nossa geração não ser uma prioridade política.

Por fim, gostava de destacar três medidas que são na minha opinião manifestamente positivas. Em primeiro lugar, a correção da distorção do mínimo de existência, que permitia que um aumento salarial bruto resultasse num menor rendimento mensal líquido. Ainda, a renovação automática em farmácia comunitária das receitas de pacientes idosos crónicos. O procedimento atual é um idoso ser obrigado quase mensalmente a ir ao médico de família para que este lhe passe uma receita nova de exatamente a mesma medicação do mês anterior, e só depois se poder deslocar à farmácia. Esta medida preconiza uma diminuição burocrática que ajuda a aliviar os médicos de família e valoriza o farmacêutico. Em terceiro, o aumento do salário mínimo, algo absolutamente fundamental. Não podemos fingir que é possível viver uma vida digna com 705€, quanto mais criar uma família e viver sem insegurança financeira, num país em que 1/3 das pessoas que são pobres são-no trabalhando. De facto, temos de decidir se queremos ser um país que diz aos trabalhadores que recebem um salário mínimo que como sociedade não temos uma resposta para a exclusão social. Nesse país eu não me sinto representada.

Somos uma geração de precários, mal pagos, esmagados por consecutivas crises económicas, e com uma grande probabilidade de viver mais uma recessão. O aumento da inflação afeta desproporcionalmente os mais pobres, que são os que gastam uma maior percentagem do seu rendimento em bens essenciais. Esta é a realidade que muitos jovens portugueses podem começar a viver. E para esta verdade basilar este é um orçamento que em nada é equilibrado. É manifestamente insuficiente. Veremos até quando dura o optimismo de António Costa com as contas certas.

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