A importância da toponímia e da memória
Celebrar a democracia, em vez de se cingir a gestos de retórica, deve antes honrar a memória. Em Portugal, também houve vítimas mortais do regime democrático. Não devemos esquecer o nome de Maria Rosinda Teixeira, de 42 anos, que foi brutalmente assassinada, em maio de 1976, pela explosão de uma bomba em São Martinho do Campo, Santo Tirso.
Enquanto cidadão preocupado com a memória e a cultura, incomoda-me que Rosinda seja alvo do esquecimento coletivo, já que não está incluída num memorial nem é parte da toponímia do concelho, o mesmo que mantém o nome de Salazar numa avenida associada ao movimento operário têxtil.
Na verdade, as decisões sobre a toponímia englobam uma esfera simbólica e são um reflexo da cultura. Ao examinarmos o simbolismo dos nomes atribuídos ao espaço, concluímos que o processo de nomeação é influenciado pelo grupo social que exerce poder sobre uma porção do espaço. Assim, este processo encontra-se imbuído de intenções simbólicas. Os nomes das ruas não são acidentais ou politicamente neutros: alguns são escolhidos, como sendo apropriados, e outros são marginalizados.
Retomando o caso de Rosinda, note-se que corresponde a uma das vítimas das centenas de ações violentas levadas a cabo pela rede bombista de extrema-direita após o 25 de abril de 1974… O marido, António Teixeira, sobreviveu ao atentado de bomba dos operacionais liderados por Ramiro Moreira, no entanto ficou com graves queimaduras, tendo sido salvo pelo filho, Nelson, da casa em chamas.
Este atentado aconteceu no tempo em que o ELP, o MDLP e outras organizações da extrema-direita lançaram no país um rasto de destruição e morte. Estes bombistas eram apoiantes do Estado Novo, beneficiários da opressão sobre os povos das colónias, defensores acérrimos da censura e da repressão levada a cabo pela polícia política PIDE/DGS.
Por outras palavras, estes eram indivíduos que nunca aceitaram as consequências do 25 de abril, o fim da guerra colonial e as eleições democráticas. As ações terroristas eram, pois, financiadas diretamente pelas fortunas obtidas na exploração dos trabalhadores.
Não se pode deixar cair no esquecimento a violência e o rasto de destruição lançados entre maio de 1975 e julho de 1976. Hoje, mais do que nunca, é uma exigência democrática honrar a memória de Rosinda. O passado e a memória nunca estão fechados, e só combatemos uma visão utilitarista da cultura se a entendermos, na nossa vivência cívica, como espaço de expressão da nossa identidade.