A importância de Conan Osiris
Acho que o Conan Osiris é uma personagem bastante interessante, refrescante e desejável na cena musical portuguesa, ainda que compreensivelmente irreverente, demasiado fora da caixa para certos ouvidos que preferem poucos desafios à sua zona de conforto. Eis as razões:
Para começar, o aspecto mais notório está no elevar de toda uma fasquia do ecletismo para aquilo que são os padrões e expectativas comerciais a que nos habituámos. Mesmo que essa fasquia estivesse em alta (não está), ultrapassá-la-ia facilmente com o arrojo das suas composições (e ao que consta é ele que trata de tudo, é autossuficiente, um jack of all trades, outro dos aspectos em que merece kudos). Diria mesmo que ele é de vanguarda, inclassificável noutras categorias simplistas, com influências que vão desde o fado, à música psicadélica, o glitch, a música árabe e cigana, sem esquecer ainda os ritmos africanos e derivados.
Depois apresenta-nos com toda uma colisão interessante entre aquilo que é o tradicional e o moderno, entre os registos electrónicos/digitais (percussão digital, sintetizadores) e os mais orgânicos/acústicos (cordas diversas, por exemplo), numa mescla surpreendente ou até desconcertante para o ouvinte que, como se não bastasse, é ainda presenteado com escalas musicais menos familiares ao ouvido ocidental, como é o caso da escala árabe e cigana.
Para finalizar, as letras dele são no mínimo peculiares. São uma espécie de paródia que ele tenta servir de forma criativa, de forma surreal até, onde eu diria que há espaço para culture jamming, ao derrubar o expectável ao ponto de pegar em referências às tarefas mais mundanas que existem (como é o caso de levar o lixo à rua, mandar alguém para um certo sítio e já para não falar desse tópico tão esquecido que é a celulite).
Sintetizando, é uma espécie de troll/meme musical antropomorfizado que veio para derrubar [pré-]conceitos musicais e alargar os horizontes dos ouvintes — que primeiro estranham e depois cativam-se pelo lado engenhoso das suas composições. Fá-lo prescindindo completamente de tudo que é receita dita “comercialmente segura”.
Gostaria ainda de referir que dá para perceber que ele não é nenhum ingénuo nas suas entrevistas. Não obstante a personagem de aspecto propositadamente tosco, é possível constatar que ele é bastante inteligente e sabe muito bem como navegar num mundinho musical paralelo àquilo que é a normalidade.
É todo um paradoxo entre a banalidade e a sua antítese.
Crónica de João Pedro Martins
João Pedro Martins é mais um cibernauta com um interesse pelas ciências, pelas artes e pela filosofia. É ainda o homem por detrás do projecto musical “Undogmatic”, naquela que é a sua incursão ecléctica e introspectiva pelo mundo do downtempo português