A importância de quem se irrita com Conan Osiris
Ainda sobre o Conan Osiris, tendo em conta algumas das críticas negativas muito específicas que vou lendo (friso que não são todas), que o acusam de tentar e não conseguir oferecer nada que se aproveite, acho que algumas dessas pessoas têm vindo a dizer coisas bastante precipitadas, já outras revelam uma certa malícia.
Acho que é importante dizer algo sobre estas últimas mais cáusticas, reconhecendo porém que há outras tantas que simplesmente não gostam e pronto.
Tendo em conta que ninguém é superior ou inferior por gostar ou deixar de gostar de Conan Osiris, falo especialmente do caso das que insistem na snobeira musical mais sisuda, que sugerem ter gostos demasiado refinados para consentir a valorização do que quer que seja em Conan Osiris, que insistem em lembrar-nos nos seus comentários que “só consomem as mais altas e verdadeiras formas de arte”, e que “isto não é arte, é lixo”, “que não vale nada”. É sobre os anseios destas que vou falar agora, para que fique bem claro.
Acho também que algumas dessas pessoas não estão interessadas em perceber que o Conan Osiris não está nem de perto a tentar ser um Caetano Veloso que, num terrível acidente de percurso, acaba com maquetas inadvertidamente mutiladas e sem noção do quão distante está afinal desse patamar. Tampouco será alguém a quem os amigos sempre mentiram na avaliação dos seus dotes musicais (outra acusação que li por várias vezes), que agora pensa que é o melhor artista de Portugal e arredores.
Será que não dá para perceber que esta personagem é construída com toda a intencionalidade e em tom de provocação, desde o nome, passando pela indumentária, as letras, o tipo de crossover radical entre géneros e até na forma de participar em entrevistas e no TEDx?
Ele não é como uma Cecilia Giménez a tentar restaurar um Ecce Homo (como já vi sugerirem). Se querem realmente fazer comparações dessas (pessoalmente preferia ver menos comparações), compreenderia mais se dissessem que o material dele está mais na linha de um urinol de Duchamp (que por si só já era basicamente shitposting e trolling no seu tempo, antes da Internet ser inventada). O Duchamp sabia o que estava a fazer e incitou precisamente as reacções de escândalo e o debate aceso quando submeteu um urinol ao museu que se comprometia a expor “qualquer peça do artista”. Ele não estava genuinamente convencido que aquilo era totalmente homólogo a uma obra de Rembrandt.
Fora das artes, se insistem mais uma vez nas comparações, perceberia melhor qualquer comparação com o Vermin Supreme, que é uma personagem que satiriza as presidenciais americanas e a classe política nas suas polémicas candidaturas a presidente, sempre com uma bota de borracha enfiada na cabeça. Dizem que o Conan Osiris não tem mensagem, que não tem qualquer nexo, que as letras são ilógicas, surreais. Claro que sim. Um pouco como os discursos do Vermin Supreme, que sugere um pónei para cada Americano, que servirá ainda como programa de identificação pessoal e por isso deverá acompanhar o cidadão a todo o momento, assim como campanhas coercivas do governo para a promoção da escovagem dos dentes. A mensagem literal, séria e precisa não é a única forma de comunicar e satirizar algo ou alguém, há outras formas de comunicação e elas têm sido exploradas em todo o tipo de iniciativas que apostam mais na subversão de conteúdos, especialmente dentro das cenas contraculturais das diversas sociedades e, mais recentemente, nos memes. O Conan é precisamente isso, é como um meme.
Esses comentários especificamente maliciosos que por aí vemos são sintomáticos de pessoas irritadas e incomodadas que caíram na esparrela que foi montada, que depois vão assistir à primeira entrevista que apanham no YouTube e, ao escutarem tanto calão forçado, tantas frases desconexas e o mais descuidadas possível, rematam depois de forma condescendente com um “eu logo vi, isto explica tudo, não passa de um parolo toxicodependente da má vida que nem falar sabe”, sem se aperceberem que estão a ser mais uma vez trolladas ao convencerem-se que isto confirma todos os seus vieses e assumpções iniciais.
Isto lembra-me certos “vídeos dos apanhados” (ou até reality shows, ou WWE) em que tudo é claramente encenado entre actores mas que, mesmo assim, há sempre pessoas que acham que é tudo real, que estamos de facto perante demonstrações genuínas e espontâneas de estupidez humana no seu estado mais bruto, vindas de quem age de forma inacreditavelmente ingénua e supostamente sem noção das suas figuras.
João Pedro Martins é mais um cibernauta com um interesse pelas ciências, pelas artes e pela filosofia. É ainda o homem por detrás do projecto musical “Undogmatic”, naquela que é a sua incursão ecléctica e introspectiva pelo mundo do downtempo português