A importância de um plano geral no cinema

por João Miguel Fernandes,    30 Julho, 2018
A importância de um plano geral no cinema
“The Good, the Bad and the Ugly” (1966), de Sergio Leone.
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Montagem, música, interpretações, realização, guarda roupa, fotografia. Muitos são os elementos que compõem um filme e muitos são os filmes que se destacam brilhantemente por um ou vários desses elementos. Como qualquer tipo de arte, é difícil dizer que existe bom ou mau cinema. Entre todos os elementos que fazem de um filme uma obra “maior” ou “menor”, há um que assume grande destaque: a realização.

Uma excelente realização, desde a composição dos planos, enquadramento e de todos os detalhes inerentes, beneficia directamente o filme de tal modo que pode definir a diferença entre uma obra prima e um excelente filme.

“Lawrence of Arabia” (1962, David Lean)

Um dos melhores exemplos de um plano geral onde os personagens assumem um papel de destaque é no filme “Lawrence of Arabia” (1962, David Lean). Lean, um dos grandes mestres de filmes épicos (assim como Leone), usa e abusa de planos gerais ao longo de vários dos seus filmes, desde “Lawrence of Arabia”, a “Doctor Zhivago”, ou “A Passage to India”. Na grande maioria destes filmes, o plano geral não serve apenas para mostrar belas paisagens ou acrescentar algo meramente visual à narrativa; serve sim para construir essa mesma narrativa.

Um grande plano geral define-se por ser um plano bastante aberto, onde o objectivo principal passa por  mostrar a paisagem/ambiente/cenário como destaque principal, onde, por várias vezes, a ênfase não é nos personagens, havendo, por vezes, uma total ausência dos mesmos nesse plano particular. Do mesmo modo, pode, também, ser usado para simbolizar metaforicamente algo, caso os personagens sejam incluídos no plano, sendo, neste caso, denominado normalmente, apenas, de plano geral.

“Lawrence of Arabia” (1962, David Lean)

Em todos estes quatro exemplos, existe uma grande preocupação estética, além de uma brilhante composição de elementos no plano, algo que vai desde a posição das montanhas aos personagens, da posição da areia ou até de outros elementos naturais mais específicos. Estes detalhes demonstram a mestria do realizador em controlar qualquer plano, qualquer momento do seu filme. Além disto, este grande plano geral acrescenta profundidade dramática aos seus personagens e ao momento em que ocorrem na narrativa, interligando todos os elementos do filme em algo que é, sem dúvida, considerado uma obra prima. De referir que a genialidade destes planos pertence também a Freddie Young, director de fotografia do filme.

Falar de planos gerais é falar de Sergio Leone, um dos melhores realizadores de sempre. O italiano revolucionou o mundo do cinema com os seus westerns (“For a Fistful of Dollars”, “The Good, The Bad and The Ugly”), mas também pela obra prima que é “Once upon a Time in America”. Com ou sem personagens, os planos gerais de Leone e Tonino Delli Colli (o seu director de fotografia) mantêm-se, hoje em dia, como grandes exemplos dos melhores planos de sempre, um pouco como os de John Ford e Winton C. Hoch (“The Searchers”).

 

“The Good, the Bad and the Ugly” (1966), de Sergio Leone

Além de identidade, estes planos oferecem qualidade. Apenas os grandes realizadores conseguem elaborar um plano deste calibre. Claro que o cinema moderno também está cheio de planos gerais. Filmes como “Mad Max: Fury Road”, a trilogia “The Lord of the Rings” e “There Will Be Blood” (inspirado por John Ford) reflectem bem o uso deste plano. No fundo, o que define ou não a importância deste plano é a sua composição e a forma como é usado na narrativa. Em que contexto? Qual é a sua função? Que elementos serve? Estas perguntas ajudam a definir a utilidade narrativa ou estética de um determinado plano.

“Mad Max: Fury Road” (2015), de George Miller

No caso de um grande plano geral, terá que haver uma fundamentação visual que faça sentido na cabeça da maioria dos espectadores; caso contrário, poderá ser um grande choque visual. Ao contrário da maioria dos planos que revelam detalhes, ou que com uma montagem decente podem servir o seu mínimo propósito, um plano geral tem um contexto muito específico, daí serem poucos os realizadores a fazerem uso deste plano de forma abundante. Os exemplos são mais que muito, desde o cinema de Terrence Malick a Tarkovsky, passando pelo belíssimo “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”, mas a verdade é que nunca ninguém o fez como David Lean e Sergio Leone.

“The Lord of the Rings: The Return of the King” (2003), de Peter Jackson

A importância de um grande plano geral dependente bastante do filme, obviamente, mas também do tema. Embora tecnicamente se “ganhe” sempre com estes planos, do ponto de vista narrativa pode não existir um contexto. No fundo o que interessa é criar uma obra que funcione bem como um todo e leve o espectador a uma viagem única, seja ele um drama, filme de acção ou comédia. A importância de um plano geral é aquela que o realizador e director de fotografia quiserem dar, embora quando bem executada fique na história do cinema para todo o sempre. Lean e Leone que o digam.

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