A importância do jogo “Death Stranding”, de Hideo Kojima

por João Diogo Nunes,    1 Novembro, 2019
A importância do jogo “Death Stranding”, de Hideo Kojima
“Death Stranding”
PUB

No dia 8 de novembro será lançado Death Stranding, da Kojima Productions, produtora chefiada por Hideo Kojima. E o que é que isto tem de importante? Para além dos óbvios motivos de ser um dos jogos mais esperados de sempre e de ter o cunho do lendário criador japonês, há uma outra razão: Death Stranding poderá muito bem marcar o começo de algo novo na indústria.

No início, com os jogos de arcada, a jogabilidade centrava-se em si mesma, promovendo acima de tudo a diversão. Nos anos 80 e 90 surgiram novas aventuras em 3D, outras em perspetiva de primeira pessoa, muitas autênticas histórias jogáveis. A partir daí percebeu-se que os videojogos têm, através da manipulação dos seus sistemas, das suas regras e limitações impostas ao jogador e da interação um novo poder de expressão e um potencial artístico.

 

Death Stranding pretende ser uma aventura muito ambiciosa e inovadora, explorando novos campos do game design com as suas mecânicas únicas e ausência de um estado de falha — todas as “mortes” são canónicas, não há restart. Kojima, em 1987, já tinha introduzido a furtividade no contexto do género de ação-aventura e aberto terreno para o agora estabelecido género de stealth (furtividade). Tal como Metal Gear foi etiquetado como jogo de ação em 1987, à falta de melhor termo, Death Stranding passará provavelmente pelo mesmo processo. Para Kojima, este é um novo género de jogo, a que chama action game/strand game.

Nos jogos Triple-A (blockbusters na terminologia dos jogos) há uma estagnação criativa enorme, um lodo terrível que abranda o potencial desta indústria. Existem exceções, claro, como mais recentemente comprovaram Control ou a reedição de Catherine, mas, por norma, os títulos de grande orçamento, os que perpassam as barreiras do nicho e do independente, não fazem por inovar, fazem por lucrar. Os jogos que dão a cara pela indústria, por muitos outros méritos que possam ter, não fazem por avançá-la. Hideo Kojima, por sua vez, não quereria outra coisa — ele nasceu para isto, está livre de editoras e quer fazer um jogo relevante, com essência, que puxe pelos limites do meio. Jogos assim não faltam, mas quantos deles são conhecidos? A maioria são jogos independentes de autor, encabeçados por mentes como as de Davey Wreden, Sam Barlow, Lucas Pope, Jenova Chen, Mario von Rickenbach, Jason Rohrer, entre outras. Por muitos BAFTA que amontoem, estes criadores têm dificuldades em estabelecer-se fora da comunidade de quem joga, mas Death Stranding tem tudo para mudar isso. É o jogo a receber mais atenção externa, provavelmente, de sempre. Não só devido a Kojima e ao orçamento que tem, mas também ao elenco. O projeto conta com alguns atores conhecidos não de jogos, mas do cinema. Kojima explicou o seu projeto a Mads Mikkelsen, Norman Reedus, Léa Seydoux, Tommy Earl Jenkins e Lindsay Wagner (esta necessitou de três horas e meia de explicação e de ouvir que este não era o típico “jogo violento” para aceitar, o que só mostra quão urgente é Death Stranding) e recrutou-os. Para além destes e de Troy Baker, um dos principais atores de jogos, os seus amigos diretores Guillermo del Toro e Nicolas Winding Refn, que dão apenas a cara, arrastam seguidores de cinema para um novo mundo artístico que possivelmente estarão a perder há muito. Como sobremesa, há também um cameo de Conan O’Brian numa já esperada “kojimice” (cenas pouco ortodoxas que Kojima insere com regularidade nos seus jogos e que quebram a quarta parede ou geram situações engraçadas). Como se não bastasse, o jogo vai ter música de CHVRCHES, The Neighbourhood e Bring Me The Horizon, por exemplo.

Quanto ao jogo em si, Death Stranding trata o tema da conexão. O conto de Kōbō Abe sobre o pau e a corda serve como metáfora base para o jogo, nele, o pau é a primeira ferramenta usada para atacar, afastar, enquanto que a corda é a primeira ferramenta usada para unir e manter o que nos é valioso por perto — Death Stranding tem também paus, mas é um jogo sobre as cordas. Esta é uma aventura de ritmo lento que se vai desenrolar numa realidade distópica onde domina o isolamento, num mapa baseado nos Estados Unidos mas com paisagens da natureza cinza islandesa. As cidades americanas precisam de ser reconectadas e cabe a Sam Bridges (Norman Reedus) caminhar pelo mundo do jogo a entregar encomendas nas cidades isoladas (ou como se compara na crítica do The Guardian: “Imagine-se Jeff Bezos, o CEO da Amazon, a expiar os seus pecados num episódio especialmente cruel de Black Mirror”) em busca de o fazer, criando infraestruturas pelo percurso que podem estar integradas na vertente online do jogo se assim o desejarmos, sendo possível usufruir das criações dos outros jogadores também. Estas necessitam de manutenção, já que a “timefall”, a chuva do tempo que faz envelhecer, pode debilitá-las. Este uso refrescante do online, consagrado em títulos como Dark Souls, Nier: Automata, Journey ou Moirai, integra-se também no tema de ligação do jogo. Como veículo de uma mensagem, o online assíncrono parece vir a ter grande importância, já que será capaz de conectar os diferentes jogadores numa rede de entreajuda na jornada solitária que será o jogo. Há muitos outros elementos interessantes sobre a vida e a morte, as alterações climáticas ou o governo dos Estados Unidos, por exemplo. Para uma análise mais completa, sugira-se este vídeo de análise que tira proveito do material lançado até recentemente.

Kojima sempre foi um criador multifacetado, assumindo várias funções nos seus jogos. “Death Stranding, a Hideo Kojima game” significa que o criador é responsável pelo conceito, produção, história original, guião, game design, casting, produção executiva, direção, ajustes de dificuldade, promoção, design visual, edição (sim, ele até edita os trailers) e supervisão da mercadoria promocional do jogo. “O Génio”, como é conhecido na Rússia, e onde compareceu no Vecherniy Urgant, o talk show noturno do principal canal russo (ainda espero que apareça um dia no Telejornal), depois de andar pelo metro de Moscovo à procura de inspiração cénica para o jogo, garantiu que o jogo terá um modo de dificuldade muito fácil para fãs de cinema, pessoas que não costumam jogar ou fãs de géneros diferenciados, o que faz todo o sentido ao considerar os objetivos do jogo. Esses objetivos são o que tornam este jogo tão relevante, uma porta de saída para o mundo, para os jogos saírem da cave. Em entrevista na Comic Con, Kojima disse: “As pessoas podem dizer “ooh” ou elogiá-lo agora, mas, ao fim de cinco ou dez anos, vão começar a tentar perceber do que é que se tratava o jogo. Da mesma forma como foi com 2001: Odisseia no Espaço ou Blade Runner. A criatividade é tão homogeneizada, generalizada e perfumada, e os algoritmos ditam tudo. Torna-se importante contrariar isso.”

Death Stranding tem tudo para vencer. Pode nem dar em nada, mas, daqui a anos, quando os videojogos finalmente assentarem no seu merecido espaço cultural e intelectual, quando deixarem de ser “um meio que não tem respeito entre a intelligentsia” (lamentação de Guillermo del Toro), os historiadores vão olhar para trás e ver Kojima e o seu jogo.

Death Stranding será lançado para PlayStation 4 no próximo dia 8 de novembro e para PC algures em 2020.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados