A luta anti-propinas não morreu (para surpresa de uns, agoiro para outros)

por Comunidade Cultura e Arte,    27 Maio, 2018
A luta anti-propinas não morreu (para surpresa de uns, agoiro para outros)
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Qualquer aluno no ensino superior sabe que uma das perguntas chave que irá ouvir se precisar de ir aos serviços académicos da sua instituição de ensino é se já pagou as propinas (ou em outras versões da mesma premissa: se a sua conta corrente está regularizada).

A razão e a insistência nesta pergunta deve-se a que um aluno que não tenha as suas prestações de propinas regularizadas não pode aceder a nenhum serviço académico prestado pela Universidade, desde o pagamento de certificados ou mudança de unidades curriculares. Se é ouvido pelos corredores da faculdade piadas ou referências ao pagamento de propinas ou premissas como: “Se já pago propinas porque tenho também de pagar todas as outras taxas” o que numa lógica mercantilista parece razoavelmente válido, como é que a comunidade académica assumiu, ao longo deste anos, uma total passividade em relação ao tema? Como se explica a passividade dos alunos perante as condições a que estão sujeitos no ensino superior público, onde aguentam com a opressão que lhes é imposta no dia-a-dia?

A razão parece estar na ideia implementada ao longo de quase 25 anos em que o regime de propinas vive em Portugal e se adensou, oprimindo o estudante com a ideia de que é um sistema que veio para ficar e que por muitas lutas que se façam não mudará, antes pelo contrário, agrava-se ao longo dos anos. Se na década de ‘90, os estudantes do ensino superior foram apanhados de surpresa pela introdução de propinas e se revoltaram contra as mesmas. Passado um quarto de século, qual é o actual panorama do movimento estudantil?

Apesar da inércia de parte considerável das Federações e Associações Académicas, que servem de tampão à contestação estudantil, a luta anti-propinas floresceu em algumas faculdades. Isso dependeu da irreverência de muitos estudantes que não tiveram medo de se representar a si próprios ao invés de esperar ad eternum pelas “estruturas associativas de peso”.

As condições de vida têm vindo a piorar nos últimos 25 anos, principalmente nos anos de “intervenção externa”. Meio milhão de portugueses emigrou, o desemprego jovem atingiu os 40%, a excepção da precariedade virou regra. A título de exemplo, em 2018, um recém licenciado não só não tem um emprego garantido como pode nunca arranjar trabalho na área que estudou e para sempre viver em regime de precariedade Para além disto, o preço a pagar para frequentar o Ensino Superior força a que muitos estudantes desistam de acabar os seus cursos ou nem sequer se candidatem, o que nos obriga a assumir que antes dos números do abandono escolar do ensino superior, temos os sonhos abandonados por milhares de jovens. As bolsas de Acção Social não são suficientes para o custo de frequência no Ensino Superior e o atraso no seu pagamento adensa ainda mais esta realidade. Receber a bolsa em Fevereiro, para muitos, é sinónimo de desistência em Dezembro.

É necessário agir. Se os estudantes de Coimbra conseguiram aparentemente travar o processo de passagem a regime fundacional da sua Universidade, o que impede o resto da comunidade estudantil de reagir em massa? Que o exemplo de Coimbra, que saiu à rua contra a Fundação, ou do Porto e Lisboa, que exigem o fim das propinas, se tornem virais. Precisamos de um antídoto para contaminar o vírus que invadiu o Ensino Superior.

A luta anti-propinas não morreu (para surpresa de uns, agoiro para outros).

Texto de Sara Azul, linguista e dirigente Estudantil da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da UP

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