A minha amiga magnífica
Querem que me despeça de ti, mãezinha, já viste? Que coisa impossível, não se pode dizer adeus a alguém que é uns centímetros da nossa pele, que, presente ou ausente, continuará sempre a sussurrar-nos conselhos e disparates ao ouvido.
Querem que me despeça de ti, mãezinha, mas eu continuo a ver-te sorrir sobre a linha do mar Báltico à passagem de dois cisnes, sempre em pares, como eu e tu, atravessando calmamente as correntes salgadas das águas gélidas.
Em fila indiana, tu e eu, tu mais adiante por teres mais parvoíce e sapiência, e eu a chapinhar mais atrás na minha ignorância de pensar que serias eterna, como nas nossas fotografias. Vou todos os dias ler-te um poema ao ouvido, mesmo sabendo que talvez não me oiças. Quero acreditar que algum sopro de beleza te atinge o coração que ainda bate, e acredito que sonhes noutro lugar algo de magnífico entre a poesia e os amigos. O sítio onde és feliz.
«Magnífico» era e é a tua palavra favorita, nunca vi ninguém com tanto entusiasmo, com tanto amor pelos amigos, sempre a desculpar-nos as falhas e a fazer do poucochinho algo de magnífico. Cheguei a proibir-te de dizeres «magnífico» por não acreditar que muitas das coisas simples fossem magníficas aos teus olhos, e hoje entendo como tens razão.
Como é magnífico o teu sorriso de menina marota, a Coca-Cola que bebias em doses altamente não recomendáveis, os teus cigarros, a tua insónia, o teu adorado Bergman, a cama do teu Bergman, onde tivemos o privilégio de nos deitarmos para ficarmos em silêncio até sabermos que seria uma memória eterna.
Querem que me despeça dos teus olhos azuis que brilhavam sempre, os olhos mais bonitos que alguma vez me viram, porque tu vias bem os outros até ao fundo, e eu sei que mesmo que não voltes a abri-los, serão sempre uma luz que me indica um caminho. A minha mãezinha adoptada, a segunda mãe que me calhou como o prémio da lotaria, o meu grande amor da amizade. A minha amiga magnífica.