A minha dose da vacina contra o contágio pandémico do ceticismo
Convém esclarecer desde já: Não, não estou infetado com Covid-19. Nem estou internado. A foto no telemóvel foi tirada no início de 2019. Poucos souberam o que está por trás dela, basicamente familiares e alguns colegas de trabalho. Não é meu hábito partilhar publicamente este tipo de coisas; quando deparo com contrariedades a minha energia é automática e exclusivamente canalizada para as ultrapassar; e a ultrapassagem ocorre sempre na minha própria estrada, no meu próprio espaço.
Mas há um motivo – talvez ‘propósito’ seja uma palavra melhor – para eu decidir partilhá-la agora.
Quando explodiu a pandemia da Gripe A (H1N1) em 2009, eu tive uma reação muito cínica, a roçar um ceticismo arrogante, em relação à doença. Na altura, investiguei inúmeros conflitos de interesses entre decisores políticos americanos e a empresa Gilead Sciences, que criou o medicamento “homologado” pelo Congresso Americano para tratamento dos sintomas, o Tamiflu (posteriormente, foi licenciado à farmacêutica Roche).
Quatro anos antes, durante o surto da Gripe das Aves (H5N1) , o presidente George Bush já tinha requisitado ao Congresso o investimento de vários biliões de dólares para comprar (e armazenar) Tamiflu. Na altura, Donald Rumsfeld era o seu Secretário de Defesa e, para além de já ter sido diretor da Gilead Sciences, possuía vários milhões em ações da mesma, tal como o antigo Secretário de Estado, George Shultz, tal como a esposa do antigo Governador da Califórnia, Pete Wilson, tal como muitos outros. Havia algo na Gilead Sciences que parecia atrair políticos. A atração era profícua. Todos ganharam autênticas fortunas com a venda de Tamiflu para combater as duas referidas gripes.
Anos depois, surgiram estudos científicos (incluindo um da Cochrane, organização de investigação cientifica na área da saúde, parceira da OMS) que colocavam em causa a eficácia do medicamento, considerando-o pouco diferente de um Paracetamol na redução dos sintomas da doença.
Tudo isto na altura, juntamente com as massivas campanhas de lobbying nos bastidores do congresso, fez-me desconfiar que a anunciada severidade dessas doenças (especialmente da Gripe A, que se tornou pandémica) podia ser uma mera hipérbole estratégica que visava criar um subterfúgio que possibilitasse o escoamento massivo de fundos públicos para bolsos privados.
Até que 10 anos depois, sem fazer ideia como, onde ou quando, apanhei Gripe A.
Eu, o cético que transpirava saúde e que nunca tinha tido doenças respiratórias na vida, senti pela primeira vez o que é querer respirar e não conseguir. Ao ponto de ir ao hospital nessa mesma madrugada, para averiguar o que raio se estava a passar.
Quando cheguei lá, detetaram-me níveis absurdamente baixos de oxigenação no sangue, à custa da dita cuja. E o cético, que em 41 anos de vida nunca tinha passado uma única noite num hospital, ganhou uma estadia de quatro noites em pensão completa, a levar oxigénio, antibióticos e… Tamiflu!
Por isso, meus amigos, esqueçam as teorias. Sim, há quem lucre e muito com estas doenças. Há benefícios e prejuízos no tabuleiro geopolítico decorrentes da sua propagação. E há muito mais detalhes com tonalidades pouco claras que, no mínimo, são intrigantes. Mas, independentemente de tudo isso, os efeitos destas doenças são reais! Os seus sintomas são reais! As hospitalizações são reais! E as mortes são reais! É nessa realidade que todos nos devemos concentrar neste momento.
O vírus Covid-19 – tanto em facilidade de transmissão, como em severidade e complexidade dos sintomas, como em fatalidades – faz a Gripe A parecer uma mera dor de cabeça. Eu tive essa “dor de cabeça”. Acreditem que não me deixou saudades.
A gripe comum mata muita gente por ano? É verdade, mas a mim, por exemplo, a gripe comum nunca me levou ao Hospital. E se quisermos simplificar, podemos simplificar: Nas vítimas de Covid-19, seguramente, estão incluídas pessoas que morreriam naturalmente com uma gripe comum e todas as que não morreriam com uma gripe comum.
Há contagiados assintomáticos? Há. Há contagiados com sintomas severos, incluindo os que estavam completamente saudáveis até então? Há. Há contagiados que morreram por terem outras doenças paralelas? Há. Há contagiados que morreram e que estavam plenos de saúde? Há. Há mortes de idosos? Há. Há mortes de jovens? Há. Há de tudo, exceto certezas absolutas numa doença cuja complexidade está ainda a ser analisada a fundo.
Ataques à liberdade individual? Custa assim tanto separar medidas urgentes de contingência e a sua natureza circunstancial e temporária (repitam essas duas palavras devagarinho) de questões basilares que afetem de forma genuína e perpétua a nossa liberdade individual enquanto seres sociais?
Está a haver negligência no tratamento de outras doenças por causa da forma como a pandemia está a ser gerida? Está e também acho que deviam existir contingências para salvaguardar melhor isso. Mas os comportamentos negligentes e irresponsáveis em relação à pandemia apenas vão gerar mais infeções, mais internamentos, logo, mais dispersão de meios e, consequentemente, vão aprofundar ainda mais esse problema, que por si só já é nefasto. Vale a pena combater um problema com algo que o torna ainda mais problemático?
Todas as semanas têm surgido noticias de testemunhos de pessoas que desvalorizavam a doença – algumas até que a negavam – até que um dia, de um momento para o outro, se viram internadas nos cuidados intensivos de um hospital. Algumas não sobreviveram para contar a história.
Eu hoje resolvi contar a minha. Não é que me agrade particularmente fazê-lo, mas fiz. Agora façam com ela o que bem entenderem.
P.S. Sugestão para concentração de energias: escrutinar de forma rigorosa como vão ser alocados e distribuídos os anunciados 15 mil milhões de euros a fundo perdido que vamos receber da Comissão Europeia para recuperação e estímulo da economia nacional.