A minha visão relativa de “Inside”, de Bo Burnham
Robert Pickerting Burnham, vulgarmente conhecido como Bo Burnham, levou-nos, recentemente, numa viagem de mais de um ano contada em pouco mais de uma hora. Através de “Inside” tentámos ficar “por dentro” daquilo que Bo passou neste último ano e, tal como ele, estagiamos por diversos estados emocionais, deixámo-nos levar pela sua história, porque nos sentimos identificados. Há várias questões que me deixam, de certa forma, aprisionado à obra e que só me fazem querer vê-la e revê-la. A mais importante das questões é simples: como é tudo feito numa única divisão, não há a probabilidade de, por exemplo, se ele fizer uma boa feijoada ao jantar o cheiro se entranhar nos lençóis? Pois… Ah… estou a brincar. Não, não é essa a principal questão que me assola. As questões são várias, mas nem procuro bem uma resposta para elas, é isso que embeleza toda a obra de Bo: o mistério da arte. Aliás, sabemos que um conteúdo é minimamente bom quando no Youtube nos começam a aparecer vídeos a analisá-lo: “How Bo Burnham Did the Impossible”, “What Makes Bo Burnham’s “INSIDE” A Masterpiece”. É sinal de que desse conteúdo surgem várias interpretações, várias análises, várias opiniões e é isso que torna a arte tão bela.
No meu caso não é diferente, este texto é apenas a minha visão relativa à obra, uma vez que por falta de meios e até de jeito, não tenho como fazer um vídeo para o Youtube a explicar a forma como vi “Inside”.
Desde já, julgo importante fazer aqui uma pequena chamada de atenção: ao longo do texto vou tratar o Bo por Bo, não só porque sinto que ganhei alguma intimidade com ele, mas também porque sinto que chamá-lo apenas de Humorista ou Músico ou Escritor, acaba até por ser redutor, como Salvador Martinha já referiu.
Comecemos então por aqui. É extremamente inspirador ver que uma só pessoa é capaz de fazer tudo e tão bem. Desde a precisão das letras, à musicalidade das mesmas, desde a beleza estética, quer de luzes e efeitos, quer de edição, à forma como cada pormenor nos deixa pensativos. Olho para aquela divisão em que Bo realizou “Inside” e vejo uma metáfora para a sua mente: um caos cruel, a tentativa de colorir (através das luzes, cores que utiliza, das músicas alegres) todos os vazios mais obscuros da sua mente e, depois disso, as referências constantes à porta entreaberta e aos frisos da janela, como que indicando uma oportunidade para escapar, de fugir de tudo aquilo, mas que quando realmente surge esse momento, Bo apenas quer voltar a fechar-se, não só em sua casa, como nas ideias que o invadem e que fazem não o querer acabar “Inside”, como ele próprio mencionou. É essa confusão que o mantém organizado e o permite distrair-se de tudo o que o rodeia. Se calhar lá fora, no mundo, não se deverá estar melhor e por isso é melhor ficar “cá dentro”, resguardados de tudo.
Arriscaria dizer que talvez seja o material mais oleado que Bo nos apresenta, porque, apesar de o público estar distante, Bo tem mais poder que nunca sobre este, uma vez que não existe a imprevisibilidade para o artista de um espetáculo ao vivo que pode levar a que uma atuação não corra como pretendido e essa imprevisibilidade assalta apenas quem assiste. Bo testou como nunca o material que nos apresentou em “Inside”. Além disso, o processo de edição, muitas vezes olvidável e considerado pouco importante, afigura-se como fulcral na forma com um conteúdo desta natureza é apresentado ao público, mas é importante não esquecer alguns detalhes como o facto de Bo ligar ou desligar as luzes a meio de uma música ou até mesmo os pequenos takes que mostram a escolha de ângulos, luzes e cores, que conferem a quem vê a sensação de que tudo se está a passar ao vivo e em direto e configuram à obra um equilíbrio particular. Por outro lado, a não presença de público dificulta a comédia. Bo tem controlo sobre o riso, mas não da forma que quer. Tem controlo na medida em que o pode acrescentar, na edição, da forma que entender, mas este não existe de uma forma direta, o riso ao vivo, e isto revela uma tremenda coragem da parte de Bo: fazer rir sem ninguém estar lá para ver. Talvez seja o maior desafio que a comédia possa enfrentar. O próprio refere “Hey, here’s a fun idea / How ‘bout I sit on the couch / And I watch you next time / I wanna hear you tell a joke / When no one’s laughing in the background”.
O stand-up passa por várias fases, umas mais representativas de coisas que se sucederam durante a pandemia, como as streams, videochamadas com a mãe ou os reacts, outras ironicamente críticas como “Bezos I” e “Bezos II”, “White Woman’s Instagram” ou “Welcome to the Internet” e outras mais íntimas como “Problematic”, “30” ou “All Time Low”. “Inside” é a melhor forma de retratar o pior. Será certamente o Stand-up do ano. Será certamente o Álbum do ano. A grande questão que fica é: Dará para ficar outside de “Inside”? Diria, prontamente, que não. Depois de assistir à obra de Bo, apetece-me também estar ali dentro e tal como ele, encontrar a melhor forma de nunca estar sozinho perante a solidão. A melhor forma será, talvez, encontrar uma boa ideia, que nos mova. As boas ideias são aquelas que não nos abandonam mesmo quando não trabalhamos nelas, se nos continuam a perseguir é porque existe ali algo. Quando, finalmente, as encontramos deixámos de estar sozinhos. O que assusta é não ter ideias, ou então, as que temos não nos perseguirem. O que aterroriza quem as tem, é nunca mais poder manter-se entretido com elas quando se concretizam. A questão que paira sobre a concretização de uma ideia é: “Então e agora?”. Voltamos a ficar sozinhos até que uma ideia nos volte a perseguir?
Crónica de Eduardo Monteiro Moreira.