A Mulher não precisa do Marido

por Pedro Saavedra,    25 Novembro, 2021
A Mulher não precisa do Marido
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Ela já não está ali, onde está ela? Colocando-se na primeira pessoa, era assim que Ela se sentia. Onde estou eu, não sinto dor, preocupação, medo, ansiedade. Devo ter morrido e ido para o céu. No meio da névoa mental decidiu abrir os olhos e longe de qualquer expectativa realista, estava na esplanada de um café de hotel. Era uma esplanada como todas as outras, com as suas cadeiras de verga ligeiramente recostadas mas não demais, com as suas mesas com tampo de vidro e pernas de bambu. Pessoas espalhadas pelas mesas, um clima ameno e algumas plantas aqui e ali, nem a mais nem a menos, como se espera de uma esplanada de um café de hotel. Em cima da mesa em frente ao seu lugar uma chávena grande já vazia de café, a meio uma pequena jarra com flores de plástico, uma embalagem com açúcar branco e outra com açúcar amarelo, do outro lado uma chávena a fumegar o líquido quente que ainda continha. Com quem estaria ali? Seria um exame antes da entrada nas portas do paraíso. Estava a rir com a sua definição de uma entrada no céu hipster quando ele chegou.

Desculpa, mas estava muito trânsito. Chegaste há muito tempo? Já pediste a minha tisana de ervas silvestres? És a maior, não sei o que faria sem ti. Ela percebeu imediatamente que a entrada no céu era afinal um sonho, um famoso flashback em a vida nos volta a ser apresentada na esperança de um desfecho ou lição diferente. Aquele que ali estava à sua frente era o homem pelo qual se tinha apaixonado como nunca se tinha apaixonado antes. Era uma homem charmoso que a respeitava e admirava na mesma proporção que ela o respeitava e admirava. Aquele homem iria mudar e ser outra coisa, um problema, um antagonista nato das suas necessidades e crenças. Lembrava-se que tinha sido naquele primeiro encontro que lhe falara da sua crença nos cristais e nas pedras semi-preciosas, dos seus significados, das suas capacidades curativas, no fundo, daquilo que representavam na esterilidade aparente das suas características. Tal como nós, as pedras, são apenas receptáculos esterilizados das sementes que o universo lá coloca, disse-lhe. Ele concordou e continuou a falar comigo durante horas sobre isso mesmo e de como achava extraordinário ter encontrado alguém como ele que via o mundo para além da tabela periódica dos cientistas.

Não quero acordar! Como assim, Dona Susana?! A Senhora está sedada e não vai sentir nenhuma dor. Aqui está em segurança, o meu nome é Enfermeira Elsa e vou tratar de si nos próximos dias. Não quero acordar! Por favor deixe-me dormir mais um bocado, estava a sonhar que era feliz e você acorda-me? Oiça, as suas escoriações são superficiais mas a fractura no fémur da perna esquerda vai demorar a sarar, preciso que confie em mim e que se alimente para depois começarmos a fisioterapia. Para quê? Para poder voltar a casa. Eu não quero voltar a casa! Quero dormir! Deixe-me dormir sua puta de merda! Aqui a cena torna-se colectiva com a entrada em cena de vários ajudantes, assistentes e figurantes de pano de fundo. Susana foi sedada à força e conseguiu o que queria, adormecer. Talvez tenha voltado ao mesmo ponto de sonho onde estava, talvez tenha sonhado outro sonho completamente diferente, o facto é que adormecida naquela cama de hospital o seu sorriso podia encher facilmente toda a enfermaria.

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