A música da minha geração

por Romão Rodrigues,    23 Julho, 2019
A música da minha geração
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Música. O vocábulo que estimula o rebuliço e o movimento. Ou estimulava. A palavra que fomenta o inconformismo para com a realidade. Ou fomentava. O termo que potencializa a união e o bem-estar. Ou potencializava. Uma das únicas expressões capazes de pender a quimera à terra. Bem, pelo menos, há algum tempo, era.

A amiga comum a todo o mortal eclodiu quando o Homem despontou. Desde aí, experimentou revoluções diminutas conforme as necessidades populacionais e a subjetividade dos seus intérpretes. Contudo, a insurreição e a rebelião iam, pouco a pouco, despertando. Pressentia-se a mudança, emergia a instabilidade e a irreverência!
Refiro-me, obviamente, à década de 80. Àqueles dez anos insanos, vividos ao ínfimo segundo, no limite de tudo e na margem do nada, compostos por excessos, controvérsias e polémicas de toda a ordem, àquela onda “pós-punkiana” submersa nos casacos e calças de cabedal, piercings, alfinetes e pulseiras que tornou a música num dístico (letra/melodia) peculiar, numa amálgama de “escárnio”, ironia e farpas que trespassam a pele sem o devido consentimento.

Até à data supracitada, o processo criativo hibernava. Urgia o combate ao mainstream, a peleja face à interpretação decrépita e obsoleta, a justa diante do sucesso dos “Fab Four” originários de Liverpool e dos gentlemans de Londres, a oposição ao rock sinfónico nos primórdios dos Pink Floyd, Yes, Emerson´Lake and Palmer, a impugnação do movimento punk e de toda a anarquia destilada por Sex Pistols e The Clash que deles advieram na demanda incessante da hecatombe face ao regime que vigorava em Inglaterra (monarquia) e a resistência constante e maciça à presença do Disco-Sound imposta por Donna Summer, Bee-Gees e Boney M.
Apesar de não serem descendentes dos tão aclamados 80, a referência aos Joy Division é imperativa. Do proto-punk ao intimismo, o bréu melódico correspondia às agruras do ser de Ian Curtis, num retrato ilustrativo da esquizofrenia e do desequilíbrio psicológico. O “timbre pardacento”, infelizmente, caiu prematuramente. Contudo, na opinião ignóbil de um simples mortal, 18 de maio de 1980 sinalizou o presságio para o que aí vinha…

New Order, derivados dos Joy Divsion, apresentaram ao mundo a vertente da dança, da eletrónica, a batida eletrizante e a presença do sintetizador; The Smiths exibiam, em Meat is Murder e The Queen Is Dead, tácitos julgamentos à rainha Isabel II e à vida mundana através do espírito mordaz, fortemente politizado e altamente depreciativo traduzido em poesia inquestionável; The Sound, ex- The Outsiders (literalmente), volteavam as costas à comercialização, revitalizando e conferindo à arte um toque subtil: afinal, o desconhecimento não significa ausência de qualidade; The Go-Betweens, um dos maiores símbolos do indie, juntavam Grant MacLennan e Robert Forster e que, à semelhança dos The Sound, não foram devidamente reconhecidos pelo jornalismo musical pelo facto de não constituir uma banda de massas, erroneamente.

Pessoalidade acima de tudo. A música da minha geração é isto. A diversidade de estilos, a confluência com a literatura topo de gama, a convergência com determinados períodos da história da Humanidade e a sua exploração profunda, o espargir dos valores e da moralidade dos atos, a crítica e a exaltação, a difusão do amor e a lágrima pela separação, a dor de uma perda e a comemoração de algo, a companhia que aniquila a solidão e a amiga que propicia ao convívio e sã fraternização.

E tudo o vento levou… o vento, a brejeirice e o mau gosto. O descrédito espiga. Os juízos idem. Parte do firmamento chora com a trivialização, com a grotesca banalidade na qual a música se transformou. Recuso-me, por exemplo, a classificar como funk aquelas brasileiradas infundadas, monocórdicas e com uma única estofe na qual se repete o mesmo conteúdo três ou quatro vezes! Funk era o que James Brown, George Clinton e Prince realizavam. Aí sim, o groove era exemplar.

Peço, encarecidamente, que não me incluam na “caixa geracional” porque, se a música fosse exclusiva à geração que a viveu, recorreria a uma técnica de morte súbita.

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