A poesia que respiramos

por Lucas Brandão,    10 Janeiro, 2017
A poesia que respiramos
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Respira-se poesia. Em todo o lado, em todo o lugar. No auge da monotonia ou na maior azáfama, a poesia entra pela imaginação e assenta nas imagens mais metaforizadas que conseguimos imaginar. O que importa é que ela está lá. Segue connosco, como uma fiel parceira de vida, a dar asas àquilo que parece remetido às lides terrestres. A poesia é o complemento do ar que se respira diariamente. Traduzido por vocábulos ou não, o fluído de fantasia que nos corre nas veias e que nos inspira para algo mais concentra toda a veia lírica que absorvemos com os sentidos. Toda essa obra que cultivamos a partir dos sentidos é motivo e material para se encontrar versado num número (in)finito de estrofes. O sonho expressa-se com muita avidez.

É o desejo do alcance que nos leva a metamorfosear toda a expressão em relação ao que realmente se sente. A razão prende-se com o próprio sentimento. A poesia é todo esse canal de inspiração e de expiração do que se sente, do que se vê, do que se ouve, se inala, se saboreia, se toca. Somos dotados desses pendores sensoriais que nos permitem usufruir e contemplar a vida de forma personalizada e construtiva. É assim que nos vamos diferenciando, é assim que vamos cultivando espécies diferentes num bosque em si rico e floreado. Todos os recortes que se vão assimilando e integrando no íntimo generoso de cada um. Alinham-se numa espécie de parede decorada com as fotografias dos diferentes momentos vividos. A distinção é a tal linguagem com a qual estas se exprimem, não se limitando ao que se vê. O imaginário atua como o perfeito aliado das realidades avaliadas e pintadas nesta tela estruturada. A estrutura vinca-se lá com as estrofes, versos, sonetos e demais construções que nos caíram no goto.

Tantas foram as metáforas que nos levaram ao céu ou ao inferno num instante. Tanto o amor como a dor são retratados na poesia. Nenhuma sensação escapa a este reluzir do que o coração transporta. Um reluzir que tem a sua homologação nas palavras e nos trocadilhos que são feitos, dando azo a todo um repertório de recursos estilísticos que embelezam os discursos palpitados. A poesia sobrevive enquanto se vive, enquanto se contacta com o outro e connosco mesmos.

Trata-se de uma herança que veio até nós sem que déssemos conta dela. Foi necessário que os grandes nomes registassem nas tais estrofes os versos que percorriam o seu sangue. Os grandes nomes que nos inspiram a visualizar a poesia das coisas estáticas e dinâmicas, a poesia de quem somos e do que os outros eventualmente representam para quem somos. O lirismo voa altitudes que ultrapassam os limites da maior contabilidade feita até hoje. Vai muito além, tão além que nem nos apercebemos da sua presença. É uma simplicidade metafísica que se supera enquanto vamos vivendo sem dar conta do que colhemos do nosso pomar sentimental. A poesia flui em nós porque a respiramos nos cantos, nos mares, nos ares e em todos os demais lugares em que plantamos uma memória. O retrato do que recordamos, para além daquilo que se sente e que se vê hoje e daquilo que se sonha e se conjetura para o amanhã, faz parte desse discurso poético que é inalienável de quem somos.

Para além de respirarmos a poesia, é justo dizer que somos a própria poesia. Somos as rimas, as sílabas, os versos, as estrofes, as ideias, os sentimentos, os recursos, as paixões e compaixões. Parece que, no misto de uma fantasia florida e de uma realidade problematizada, descobrimos quem somos. Somos a tal poesia e o algo mais que faltará sempre. Para que se encontre, eis o sonho vertido no planeta do poema.

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