A pop expansiva de Primeira Dama

por Miguel Fernandes Duarte,    26 Maio, 2017
A pop expansiva de Primeira Dama
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Primeira Dama é Manel Lourenço, uma das principais caras por detrás da Xita Records, editora de música baseada na cidade de Lisboa, e um dos principais nomes a ter em conta na nova geração da música portuguesa. Com Primeira Dama, o seu segundo disco, homónimo, confirma o talento e a qualidade que já tinha mostrado quando lançou Histórias por Contar, no ano passado.

A diferença para o primeiro álbum faz-se notar sobretudo numa maior limpeza do som, do espaço em que a melodia se envolve, que acaba a dar ainda maior destaque ao teclado que é a sua principal arma, juntamente com a voz, que nos chega também sem os ecos que marcavam o primeiro álbum. Gravando este disco com Coelho Radioactivo como produtor (artista a solo e metade de Flamingos, banda que divide com Luís Severo), traz-nos um álbum mais alegre e mais pop, menos distorcido e mais directo.

Levado ou não pelo nome da música Casa na Praia (que pode ou não ser propositado), Primeira Dama acaba por me remeter para os americanos Beach House, mesmo que, principalmente neste álbum onde há menos sintetizadores a encher o espaço à volta da melodia principal, os estilos do português e dos americanos não sejam propriamente paralelos.

Rita é a música que abre e o single que serviu de avanço ao álbum. Num crescendo onde se vão impondo certas mudanças nos arranjos das teclas e na percussão, por entre elogios à dita Rita, que é “tão bonita”, o tom vai mudando e a música discorre plena, tranquila, nesta bela dedicatória que até se poderia tornar melosa, não fosse ser uma canção tão boa. É música de, como o faz Manel Lourenço no videoclipe da mesma, percorrer cidades a pé.

De seguida, Enredo introduz uma guitarra que até aqui tinha sido estranha ao trabalho de Primeira Dama, mas que, intercalada com as teclas de Manel, nos aproximam assim um pouco mais do teor mais distorcido e psicadélico do álbum anterior.

Senhora do Monte é arraial pop melancólico, música para fazer delirar desde as efusivas senhoras de Alfama aos mais cabisbaixos jovens intelectuais (com o Santo António aí tão perto…), e Rua das Flores é arraial pop extasiado, uma afirmação da felicidade, uma canção para guardar estes momentos de amor, trazendo o refrão de Perto de ti, 1982, de Lena d’Água, numa homenagem a uma das lendas da pop portuguesa.

Mariana traz-nos de novo mais um nome de uma rapariga e, portanto, mais uma grande música. “Já nem como mais pastéis, se a tua avó me voltar a olhar de lado” tem de ser uma das melhores frases do disco. Sono com Medo é música que contrapõe o contentamento com que se segue a vida aos pesadelos que nos assombram. Especialmente bem conseguida a forma como a música se acaba por transformar, num refrão fortíssimo e desolador.

Antes de o álbum terminar com Pega Monstro (banda já referida até na canção Casa de Praia), que aparece em duas versões, uma limpa e outra distorcida e psicadelizada, Bem traz-nos para as tristezas dos desentendimentos e para as apreensões das relações amorosas, para as apreensões do próprio Manel, mas de qualquer um de nós na mesma situação. Quantas vezes não sentimos já que “Hás-de ter de ir embora para entenderes o que eu queria”?

A expectativa continua bem alta para ver o que mais Primeira Dama é capaz de nos trazer, o continuar da sua evolução e a cimentação do seu lugar. Até lá vamos ouvindo o que temos, e que bom que isso é, qualidade não falta.

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