A praxe ainda faz sentido?

por Comunidade Cultura e Arte,    30 Setembro, 2019
A praxe ainda faz sentido?
Ilustração de Clara Silva (aka Clara Não)
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Há uma diferença entre submissão porque sim, misturada com coerção, e respeito hierárquico (como respeitarias uma/um chefe). Quando somos alunos, independentemente do ano, somos todos alunos, todos iguais, com os mesmos direitos e deveres. Só porque estudaste mais um ano, ou tens mais uma matrícula, não faz de ti mais importante em nada.

Algo que é comum a todas as praxes é a submissão ao “teu superior”. Esse superior é mais superior quantas matrículas tiver. Ou seja, as pessoas com mais poder na praxe são as que reprovaram mais. Então, em instituições que prezam pelo mérito académico, temos uma atividade paralela que contraria totalmente isso.

Há faculdades com praxes pesadas, que obrigam @s estudantes a beber; que @s põem de 4, que @s tratam abaixo de burros. Eu experimentei uma dessas. Estas praxes deveriam ser proibidas. Histórias de pessoas a terem ataques de pânico, a esfregarem a cara em terra porque tinham maquilhagem, a segregarem alunos porque não participam na praxe, histórias de pessoas que morreram.

Para além disso, a praxe tem poder em si mesma, não é regulamentada por um órgão exterior, e tem poder com base no pressuposto de que não te vais integrar na faculdade se não fores à praxe. (Soa um pouco como ditadura, não?). A FBAUP, por exemplo, tem um programa alternativo à praxe, sem praxe, a Semana de Recepção ao Novo Aluno. Onde se fazem atividades para todos de conhecerem, como viagens, visitas a museus, palestras… Estas atividades depois são promovidas ao longo do ano pela Associação de Estudantes. A praxe não é precisa para nada. Se isto da praxe é para continuar, criem um órgão institucional, com profissionais e alunos. O ideal seria incluir profissionais como psicólogos, sociólogos, e professores.

Sim, só vai à praxe quem quer (ou lhe mostram que é a única forma de se integrarem). Mas temos de incentivar o espírito crítico. Esta prática não passa de uma reminiscência dos rituais hierárquicos pesados de iniciação que hoje em dia já não fazem sentido algum.

Como é atualmente, a praxe é um entrave à liberdade individual. Sei de praxes que promovem ambientes melhores, e atividades, mas a submissão hierárquica entre estudantes de Direitos e Deveres Iguais não é precisa aí para nada.

Enquanto a praxe for sinónimo de submissão despropositada, eu sou anti-praxe. Sou anti-praxe, como sou anti-machismo e anti-racismo. Não apoio conceitos que desrespeitam os direitos humanos e a liberdade individual.

Por outro lado, há muito boa gente a praxar e a ser praxado. A essas pessoas peço que tenham um espírito crítico. Ouço muito como resposta “mas a minha praxe não foi/é assim”. Pois, ainda bem, mas e as outras que são? Não podemos viver só a olhar para o nosso umbigo. A solução real seria regulamentar devidamente a prática: mais vale fazer-se livremente mas controlada, que proibida e às escondidas.

Concluindo, idealmente, deveria existir, em vez da praxe, um sistema de mentores, em que os alunos mais velhos ajudassem os mais novos. Paralelamente, deveria criar-se, como no caso da FBAUP, uma programação de atividades durante o ano, como piqueniques, conversas, passeios, grupos de estudo, saídas em conjunto, festas, etc, sem submissões, sem praxes, sem gritos na rua em horas não permitidas.

Dito isto, façam as vossas escolhas livremente, mas não percam o vosso espírito crítico.

Texto de Clara Silva (aka Clara Não)
Clara Não é ilustradora e vive no Bonfim, no Porto.

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