A PSP e o processo judicial ao cartoon
Porque é a PSP tão sensível a um cartoon de um jornal satírico? Não é credível que os seus altos comandos não antecipem que esta queixa associa a instituição a limitações da liberdade expressão. Também é improvável que a hierarquia ignore que há bases factuais sobre as quais elaborar caricaturas que associem alguns dos seus membros a comportamentos racistas e movimentos de extrema direita. Parece, pois, um tiro no pé.
Haverá quem ache que é uma mera reação de autodefesa de uma instituição que se considera ultrajada. Não seria a primeira instituição a fazê-lo e não será a última.
Mas eu coloco coloco uma hipótese diferente e que me preocupa bastante. Esta minha hipótese liga este gesto à reação negacionista da corporação quanto a que acolha no seu seio elementos extremistas e a que tenha que conviver com atos racistas dos seus agentes.
Ao atacar o mensageiro, por muito amor à farda que tenha a hierarquia da PSP, está apenas a mostrar-nos a sua incapacidade de gerir problemas internos, que devia ter interiorizado e estar a mitigar. A PSP está a assumir que quem retrata um agente com comportamento racista está a criticar a corporação e não a mencionar uma atuação de que se demarca e contra a qual luta.
Não podendo ignorar os comportamentos racistas no seu seio, a PSP pode optar por indignar-se contra quem os mencione, mas faz melhor serviço à sua vocação isolando, educando, punindo, consoante a avaliação dos casos, quem os pratique e deles se demarcando.
O anúncio desta queixa é um sinal de uma abordagem errada ao problema do racismo nas fileiras da polícia. A PSP ainda vai a tempo de evitar o absurdo esquecendo a queixa. Seria a melhor forma de matar na casca a questão que está a criar a si própria e de não nos pôr a todos a discutir a sua permissividade face a comportamentos não compatíveis com uma polícia civil e democrática, permissividade essa que já foi mais do que uma vez denunciada e torna a inclusão simbólica de um polícia numa manifestação racista um ato não destituído de razoabilidade no espaço público nacional.
Invocarão que a representação da farda é uma generalização abusiva. Essa é a única parte interessante de um eventual processo contra um cartoon, porque nos permitirá aumentar a nossa literacia sobre comunicação visual e regras de caricatura e protegerá as instituições – sou otimista – de semelhantes disparates futuros.
Crónica de Paulo Pedroso
Paulo Pedroso é professor na Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, antigo dirigente nacional do PS e ex-Ministro do trabalho.