A questão de ser advogado
Tantas vezes disse que o que queria ser quando fosse grande era “ser advogado”, disse-o a conhecidos, a desconhecidos, a professores, de forma oral, escrita, desenhada, disse-o durante o ensino básico, secundário, até na minha candidatura à Universidade o disse, disse-o ao frequentar a licenciatura em Direito, ao acabá-la, enquanto estagiava, e digo-o agora, mas tremo quando profiro essas palavras que, desde tenra idade, me foram tão próximas e reais.
Surge a questão: por que razão tremo ao afirmar que quero ser o que sempre quis? Porquê que o faço tão perto de o poder ser? Será que não é – ou nunca foi – aquilo que realmente quis (ou quero) para o meu futuro?
A realidade observada é que sim, continua a ser o que almejo, todavia, deparam-se ante mim obstáculos que me antagonizam, passo a explicar o porquê nas próximas linhas e entrelinhas.
Quando se acaba o curso de Direito antevê-se todo um novo mundo por ser explorado, tendo em conta que o ensino jurídico é extremamente dogmático e preso por amarras de índole teórica. Sob tal perspetiva, o desejo de um novo e já não proto jurista, é descobrir as terras suaves do Direito e tomar as rédeas de um percurso que será só seu e, como não deixarão de restar dúvidas, sabe que, assim como no caminho para a licenciatura como durante a mesma, adversidades surgirão, o desafio será como combatê-las e suplantá-las.
O caminho começa na busca por um estágio para futura inscrição na Ordem dos Advogados: obtendo-se um, após – espera-se – várias entrevistas na senda do mesmo, já não se pede seja remunerado, pois, muito provavelmente não o será, e o (futuro) advogado estagiário já contava com tal, mas não desiste, pois quer ser Advogado; pede, somente, lhe dêem a devida atenção, acompanhamento, formação e responsabilidades – obtida uma destas prerrogativas, dar-se-á por satisfeito, pelo que o que ouve dos Colegas não é melhor.
Ponto de situação: temos um licenciado em Direito a começar o estágio num escritório de advocacia, a full time em regime de voluntariado – pro bono, vá.
Segue-se o próximo passo, inscrever-se na Ordem dos Advogados. Aquando da inscrição, a qual só bem realizada após obtenção de vários certificados e certidões com cariz original pagos a suas próprias expensas, pagará a primeira taxa à Ordem: em princípio, se não houver isenção ou pagamento parcelado, 700€ de imediato. O jurista sabe que, sendo uma taxa paga a uma Associação Pública deverá haver a correspetiva bilateralidade no segmento do bem/serviço adquirido. O problema é que não haverá aqui muito do exigido, pois prometem-lhe 3/4 meses de aulas (obrigatórias na percentagem de 75%) e a possibilidade de obter a tão desejada profissão.
Seguem-se escassos meses de estágio até que deverá deslocar-se de segunda a quinta-feira para um local, provavelmente, não tão perto de casa, a despesas, novamente, suas, para frequentar as sessões de aulas obrigatórias na Ordem, sendo que aqui levanta-se uma questão não perene: as sessões versarão sobre Processo Civil e Penal, bem como acerca de Deontologia Profissional. Sucede que o Advogado Estagiário, pois para o ser, teve, obrigatoriamente, de obter aproveitamento na licenciatura às duas primeiras, sendo que poderá, então, tratar-se de uma pequena revisão ou uma via de eliminar candidatos pelo meio e aproveitar para dar algum uso ao capital investido?
Finalizadas estas sessões extremamente produtivas, o Estagiário tratará de, nos próximos 12 meses, conseguir o número suficiente de intervenções em processos, assistências de audiências e elaboração de peças processuais para que possa ser admitido ao, inaudito, exame de agregação à Ordem dos Advogados; por outras palavras, o meio de excelência para restringir o acesso à profissão (atentas as mais recentes percentagens de licenciados em Direito a reprovar no sobredito “Exame”).
Ora, não estará a Ordem a colocar em cheque o ensino aprovado das Universidades ao submeter a nova avaliação a matérias versadas já no ensino superior? Não será este um critério pouco ortodoxo aquando da fixação de condições de acesso a uma profissão da qual, aquilo que a Ordem ensina será o modo de atuação como Advogado, e aí sim, fará sentido manter-se o exame? Pois bem, mais de um ano passado do fito das sessões de ensino “a la” Ordem dos Advogados, far-se-á, então o exame, pois bem, com os ensinamentos fresquinhos. Não seria, no mínimo, de existir um verdadeiro exame de recurso? E não apelidem como tal o exame de repetição meros dias depois da feitura do primeiro podendo-se optar por apenas um, ou ainda a possibilidade de revisão paga por cada área legal versada no exame!
Peço, encarecidamente, não nos atirem mais areia para os olhos, não nos permitamos a coadunar com este sistema malfadado, não nos deixemos mais ser enviesados por uma falsa nomenclatura de “Dr.” ou “Dra.”. Eu digo, basta, gostava de ser Advogado, mas envergonha-me subverter-me a esta corja.
Crónica de Bruno Reinaldo
Advogado Estagiário