‘A Quiet Place’ tem um argumento frágil mas uma bela realização e composição de imagem
John Krasinski, realizador que igualmente protagoniza lado a lado com Emily Blunt este A Quiet Place, tem em mãos nobre tarefa de procurar refrescar o género cinematográfico mais irrefrescável de todos, o de terror, sempre sujeito a um hermético conjunto de regras que o compõe, ainda que dentro de um incontável número de subgéneros que vão desde o monster movie ao exploitation. Falar em originalidade no cinema de terror é uma falácia devido precisamente a esse conjunto de regras marteladas em pedra, ainda que se procure uma temática raramente abordada (como fez Get Out ao trazer o racismo para o terror). O problema é que esgotada a apresentação dessa ideia, num primeiro momento, o original filme fica despido do adorno que o diferencia e cai nas inescapáveis regras de género. E aí apenas lhe resta tentar fazer o seu melhor. A Quiet Place não é excepção.
A característica da qual faz bandeira, o silêncio e uma quase total ausência de diálogo (que na verdade não existe pois o filme faz questão de guiar o espectador lendo os lábios das personagens e a sua língua gestual, afasto-o da mera observação, o que seria isso sim bem mais criativo, original e interessante), de pouco mais servem do que de fotografia postal convidativa e para colocar uma questão (essa sim interessante, mas enfim) meta-filosófica algo atabalhoada acerca da importância de se fazer silêncio numa sala de cinema, uma das grandes lutas do cinéfilo acérrimo. Acaba por ser algo triste que fazer silêncio numa sala de cinema não seja hoje em dia encarado como regra e que as pipocas com topping the M&M’s sejam por vezes motivação maior do que o próprio filme para uma deslocação a uma sala de cinema. Nesse sentido, dir-se-ia social, A Quiet Place é vencedor. Esgotada a apresentação dessa ideia resta-nos o monster movie rotineiro que coloca uma família em constante sobrevivência e numa já estabilizada invasão levada a cabo por uma raça alienígena cega, mas longe de surda.
Sempre muito focado na acção, A Quiet Place nunca consegue amadurecer as suas personagens, enfiando de forma apressada, e muito ao de leve, o pequeno drama “pai que quer proteger a família e é duro nessa missão” vs “filha que não percebe que está a ser protegida e pensa que pai não gosta dela”, que acaba por nos fazer suspirar por algo de mais visceral e condizente com o educado silêncio que pauta o filme, que não uma birra adolescente difícil de levar a sério atentas as circunstâncias. É essa tentativa de ser, além do terror, filme dramático focado em procurar passar uma imagem de família compassiva (como It Comes At Night fez brilhantemente) que acaba por manchar seu o foco, nunca deixando esse drama brilhar, uma vez que nunca existiu, encurralando-se o argumento numa perseguição de gato e rato, qual Alien: O Oitavo Passageiro. Resta-lhe o silêncio, esse orgulhoso trunfo que na verdade já havia sido recentemente explorado de forma bem mais eficaz e humilde no terror por Don’t Breathe, realizado por Fede Alvarez (brilhante aluno e executante da linguagem do cinema de horror).
É pena que, na verdade, sendo o seu ponto mais interessante, o som acabe por ser um artifício que Krasinski acaba por subaproveitar. Ele existe, sim, mas não seria possível fazer algo mais criativo com ele? No seu desenlace, que é talvez o momento de mais difícil execução neste género cinematográfico, surge-nos uma solução de contra-ataque tão básica como inverosímil, bem de acordo com toda a lógica apresentada até então, em tudo a fazer lembrar Signs de M. Night Shyamalan. No final Emily Blunt veste o fato de macaco, qual Ellen Ripley, e faz-nos questionar para onde foi o silêncio e a educação que Krasinski tanto quis imprimir no seu filme. Despido do seu silêncio resta-nos um monster movie simples, com um argumento frágil e pouco credível, que pouco mais tem a oferecer que uma bela realização e composição de imagem.