A sátira social de ‘Placido’ é muito mais actual do que parece
Estávamos em 1961 e Espanha era governada por Franco. Como em qualquer ditadura, as artes são uma das primeiras áreas a sofrer restrições, tanto pelo conteúdo das suas mensagens, como pelo progresso que estas implicam.
Luis García Berlanga nasceu em Valência e esteve desde cedo ligado à política por vias de seu pai – membro da Frente Popular e preso no inicio dos anos 40. É um realizador conhecido pelas suas sátiras, críticas sociais disfarçadas e comédias exageradas.
Placido concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1962, perdendo para o naturalmente favorito Ingmar Bergman (Through a Glass Darkly), algo que o realizador espanhol levou de forma natural, embora muitos achassem que o seu filme devia ter sido o vencedor.
Placido é o nome do personagem principal da história, que embora não tenha por si só muita relevância, acaba por ser aquele que une todas as narrativas e que ilustra a classe pobre da ditadura espanhola. Em 1961, a ditadura de Franco promovia, durante o Natal, uma campanha para se convidar os pobres para a ceia de Natal. Esta campanha, altamente promovida pela classe rica, servia para mostrar que o Estado e essa classe se preocupavam com os mais pobres; mas na verdade não era mais do que uma campanha mediática, onde até actrizes famosas eram convidadas, apenas para dar mais destaque a essa festa.
Curioso é o facto de Madrid ter adoptado este mesmo procedimento o ano passado, quando promoveu também uma campanha de ajuda para com os mais pobres. Muitas foram as vozes que se levantaram contra o verdadeiro propósito deste motivo, embora o resultado final tenha sido realmente positivo para os mais pobres.
Placido retrata então essa realidade vivida em 1961, mas de forma bastante exagerada. Os personagens não param de falar durante todo o filme, sobrepondo-se uns aos outros por diversas vezes. Esta acção servia apenas para mostrar que os espanhóis falavam muito, mas na verdade pouco interessava e na maioria das vezes nem se ouviam uns aos outros. A forma como a classe pobre é explorada, muito através de exageros e metáforas, também demonstra o carácter meio teatral do filme da realidade espanhola nos anos 60: mostrar aos outros que praticamos boas acções, apenas porque é o politicamente correcto e não porque é o que devemos realmente fazer.
Do ponto de vista de argumento, estamos perante uma obra bastante idêntica aos filmes de Tati (na forma como a música é utilizada e as situações do dia a dia são estilizadas), de alguns filmes de Emir Kusturica e a Amarcord, de Fellini. O que todos estes filmes têm em comum, além das situações do dia-a-dia, é a forma como usam metáforas e exageros sociais/familiares para criticar a política dos seus países ou a sociedade em geral.
Todos os personagens são bastante carismáticos e naturais, e durante o filme ocorrem todo o tipo de situações caricatas, sempre com o personagem principal a ligá-las. Há um certo sentimento de pressão vindo de todos os lados, demonstrando claramente o quão difícil pode ser a vida de um pobre, ao contrário do que o Estado queria fazer passar.
Este olhar astuto da sociedade oferece ao filme todo um carácter cómico e crítico, sendo surpreendente que o governo de Franco não o tenha censurado (talvez porque Berlanga tivesse apoiado o regime de Franco de forma a libertar o seu pai). Toda a banda sonora, realização e montagem são próprias de quem quer conferir um ritmo rápido ao filme, embora por vezes os personagens se atropelem uns aos outros e criem algumas dificuldades de compreensão, caso estejamos a ler as legendas.
Placido é uma excelente obra cómica sobre um período bastante complicado na vida dos espanhóis, sendo apenas uma das inúmeras obras de grande qualidade que Berlanga criou.