A torre

por Pedro Saavedra,    17 Fevereiro, 2022
A torre
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Estava a crescer de dia para dia. Tinham chegado quase de madrugada no primeiro dia e começaram por desocupar os carros dos seus lugares de estacionamento. Precisavam de espaço para começar a montar a estrutura metálica. Ao início composta apenas por um monte de peças sem nexo seria, dali para a frente, montada com o maior dos profissionalismos, como se cada uma das peças já soubesse em que comprimento ou em que largura ficaria. Tudo funcionaria como que por magia, era sempre assim.

Os homens chegaram logo depois. Uma primeira equipa, invisível para quem acabava de chegar, já tinha transportado todas as peças de um estaleiro nos subúrbios para ali. Tudo o que precisavam estava ali à espera de ser montado e os homens sabiam disso, sabiam ao que iam e estavam preparados para isso. A maioria deles tinha acordado cedo demais para descrever, e tinha-se feito ao caminho através de uma cadeia de transportes e de locais de encontro. Um a um tinham-se feito linhas a interligar pontos até à revelação do desenho final. E o desenho final era aquele prédio naquela morada.

Vamos a isso! Gritou o capataz, ou acha que gritou. Porque como reacção ao seu grito não nasceu nenhuma acção. Ali, à sua frente, um grupo de homens completamente capazes de executar um vamos a isso, em qualquer lugar do mundo, e nada. Ninguém ali reagia porque ninguém ali compreendia. O capataz repetia a frase na sua língua e os homens sorriam em estrangeiro. Felizmente não era a primeira vez para a maioria deles, e ao acenar do capataz finalmente houve uma reacção coerente. É para começar! Terão pensado todos, talvez menos um ou outro, sobretudo os recém-chegados à profissão.

A montagem começou, e hora a hora os pisos iam sendo cobertos pelo andaime mais perfeito que a estrutura de um andaime permite. Lá em cima, como um ponta de lança de uma equipa de futebol, Hamin Bavacaban olhava para o céu. Havia qualquer coisa no céu que o inspirava a olhar para cima desde criança. Assim fazia com os céus por cima do Rajistão e assim fazia com os céus por cima da Europa. Eram muitos os países mas sempre o mesmo céu, e naquele dia o céu estava mais azul do que nunca. Cá em baixo o capataz continua a gritar ordens na sua língua e os homens a responderem nas suas. A torre crescia pela soma de palavras e de línguas que já antes tinham permitido a construção das pirâmides ou dos zigurates.

Seriam sempre estes homens a construí-las, e muito antes da invenção dos sindicatos e das leis laborais, já estes homens construíam torres para o nosso deleite. Nunca saberemos é se Hamin, de olhos no céu, em queda do último andar e João, o capataz, o saberiam antes do corpo de um amparar a queda do outro. Não sobreviveram. A torre sim.

Hamin, de olhos no céu, em queda do último andar e João, o capataz, o saberiam antes do corpo de um amparar a queda do outro. Não sobreviveram. A torre, essa, sim.

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