A verdade é um bem Público?
O Público lançou, esta quarta-feira, o PSuperior. Uma iniciativa que fornece vagas de acesso a uma assinatura gratuita do jornal a alguns estudantes universitários. A palavra-chave é “alguns”.
Aparentemente, não só as vagas variam de instituição para instituição, como, em certos casos, há diferenças entre faculdades. Aliás, pasme-se, não há uma única Faculdade de Letras do país com direito a vagas. Um tratamento pior teve o arquipélago dos Açores, já que a sua Universidade não teve direito a uma única vaga. Um arquipélago inteiro de estudantes em desigualdade com o resto.
A justificação para esta diferença passa pela iniciativa ser apoiada por parceiros comerciais. Foram estas entidades a definir os cursos que teriam acesso às vagas. Para que fique claro, são elas: Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados; Google; Unilever; Fidelidade; IPG; Mota-Engil; Porto Editora; Volkswagen e Fuel.
Não há adjetivos suficientes para qualificar o absurdo deste episódio. Vamos começar pelo mais leve, mas nem por isso menos ridículo. A Porto Editora é uma das parceiras do PSuperior. A Porto Editora está associada a uma iniciativa que deixa de fora a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e do resto do país. Mais embaraçoso, talvez, também deixa de fora a Faculdade de Ciências do Porto, local onde Vasco Teixeira, um dos fundadores da editora, lecionou.
No entanto, o mais grave é a génese da iniciativa em si. O PSuperior consiste no Público permitir a um grupo de entidades privadas escolher os estudantes que terão acesso ao jornal. Ou seja, dá liberdade a empresas segmentar os estudantes universitários e definir quem será informado e quem terá de pagar um preço por isso. No fundo, um grupo de parceiros dita ao Público que tipo de estudantes merecem ter informação e quem merece ficar no escuro.
Alguns a ficar no escuro são os estudantes de Jornalismo. Nenhum curso da área teve direito à assinatura gratuita. Quem estuda a profissão não tem o mesmo direito do que outros a ser informado por um dos principais jornais de referência. Assim o ditaram os parceiros comerciais do Público. Assim o permitiu o Público.
A medida pode até ser alterada, devido às reações negativas de vários estudantes. Mas só porque, eventualmente, a justiça é feita, não se deve esquecer quem começou por não a fazer.
Apesar das críticas, não vamos cair em exageros: o Público não deixa de ser um jornal de qualidade. O Público não deixa de ser composto por excelentes profissionais. O Público não deixa de estar na linha da frente da inovação no Jornalismo. O Público não deixa de valer a pena.
A verdade é que quem sofre não são só os estudantes que ficam de fora da iniciativa. Os jornalistas trabalham diariamente para produzir notícias rigorosas e que façam a diferença. Quando essas notícias são restritas a certos segmentos da população, o trabalho do próprio jornalista sofre.
O que está em causa é a luta pela sobrevivência do Jornalismo numa época em que os jornais ainda estão a definir qual o melhor caminho. Quem gere os jornais não pode, de todo, escolher quem tem ou deixa de ter acesso ao conteúdo produzido, com base em conselhos de outras entidades privadas. Aí morre a essência do Jornalismo e, em consequência, a própria Democracia.
A verdade é um bem público? Claro que sim, mas a informação parece ser só para alguns.
Crónica de João Malheiro
O João está no último ano de licenciatura de Ciências da Comunicação, na Universidade do Porto. Desde que se lembro que tem uma enorme paixão por Cinema, Música e Desporto e, entretanto, acrescentou a Literatura. Decidiu seguir Jornalismo para estar em contacto com essas áreas, mas com o tempo começou a adorar a profissão em si.