A vida efémera de Breece D’J Pancake
Uma das grandes apostas da literatura norte-americana do final dos anos 70 encontrava-se em Breece D’J Pancake, jovem escritor conhecido pelos seus contos e pequenas histórias publicados em revistas americanas que deliciariam os seus leitores. O seu modo de vida bem como a sua escrita que causaria uma avaliação muito positiva pela crítica literária da época daria bastante que falar, tendo sido apelidado por muitos como um possível sucessor de Ernest Hemingway no universo literário. As suas influências literárias teriam também como base as letras das canções de Phil Ochs ou ainda o trabalho de John Casey, professor que se tornaria também num dos seus mentores e que conhecera em Charlottesville, no estado de Virginia, onde vivera.
Elogiado por autores de renome como Kurt Vonnegut que o considerou como “o escritor mais sincero que alguma vez leu” ou James Alan McPhersona que o conhecera pessoalmente, a carreira de Breece D’J Pancake parecia ser bastante promissora nos anos vindouros, tendo todas as características necessárias para o sucesso. Todavia, e por ironia do destino, suicidou-se com uma arma de fogo aos 26 anos, tal como Hemingway o fizera aos 61 anos devido ao suposto agravamento da sua saúde. As circunstâncias e as razões da morte de Breece D’J Pancake são até hoje muito pouco esclarecedoras e no dia em que a notícia saiu os jornais davam conta de “uma grande voz literária que se silenciaria demasiado cedo”.
Contudo, apesar da sua vida efémera e da sua curta obra literária, Breece D’J Pancake conseguiu deixar um legado que viria a inspirar outros autores e artistas. Os casos mais conhecidos são os de Chuck Palahniuk, autor da obra Fight Club que deu origem ao aclamado filme com o mesmo nome, que considerou o autor como uma das suas grandes influencias na sua escrita, e o de Mark Knopfler, que no seu álbum a solo Tracker de 2015 compôs a canção River Town, inspirada em A Room Forever, uma das deliciosas histórias que Breece publicara. A narrativa dos seus contos foi o bastante para conseguir marcar vários leitores que ainda hoje procuram saber um pouco sobre a vida mística deste jovem escritor que poderia ter ainda muito para dar.
Breece Dexter Pancake nasceu a 29 de Junho de 1952 em plena zona industrial do estado da Virgínia Ocidental nos Estados Unidos da América, filho de um trabalhador da Union Carbide e de uma dona de casa com ascendência britânica. Desde muito cedo se mostrou com um estudante bastante aplicado, onde lhe eram reconhecidas as suas capacidades em especial a sua aptidão para línguas. Daí, que após a sua passagem por dois colégios militares tenha ingressado no curso de língua inglesa na Universidade de Vírginia, mudando-se para Charlottville. É na sua passagem pela Universidade que Breece inicia a sua aventura literária ao escrever pequenas histórias e contos que viria mais tarde a publicar em revistas literárias, em especial na The Atlantic a partir de 1977.
Foram seis as histórias publicadas nessa mesma revista, que deliciariam os leitores e até mesmo a crítica que o consideraria como uma grande aposta do futuro. É também nesta altura que, ao converter-se ao catolicismo, adopta o nome de John. Ao juntar ao seu nome completo, assina os seus textos com o pseudónimo Breece D’J Pancake (o apóstrofo terá sido supostamente um erro que surgiu durante a impressão dos seus manuscritos) e é com esse mesmo nome que entra para o universo literário. As suas histórias têm como grande inspiração as suas vivências enquanto amante de campismo, caça e pesca, e a sua passagem pelo meio rural e industrial da Virgínia Ocidental, conferindo ao leitor uma perspectiva ampla do espaço onde a acção se desenrola através de uma narrativa simples e descritiva. Nessas histórias são introduzidos elementos como camionetas, trabalhadores rurais, mineiros, caçadores de raposas, e até mesmo trilobites, sendo este último uma das mais ilustres histórias de sua autoria e a primeira a ser publicada.
Breece D’J Pancake acabaria por dar aulas de inglês na Fork Union Millitary Academic, uma academia militar no estado de Virgínia, deixando a escrita dos seus contos para os seus tempos livres. Tinha a fama de ser um bom profissional e também de se envolver em romances com algumas das suas colegas. A sua vida deixara de ser tão risonha após vários acontecimentos que a mudariam por completo: quando ainda era estudante o seu pai morrera devido a complicações com o álcool, mais tarde um dos seus melhores amigos morrera num trágico acidente de viação e pouco antes de ter cometido suicídio a sua namorada rejeitara o seu pedido de casamento pois a família não o considerava um homem que pudesse corresponder às suas expectativas. Tal como o seu pai Breece cairia também no alcoolismo e consta que as suas fortes ambições na escrita, o seu perfeccionismo e o facto de se encontrar na altura desempregado com dificuldades em arranjar um emprego, o levaram a cair numa depressão grave.
No dia 8 de Abril de 1979 Breece D’J Pancake suicidou-se com uma das suas armas de caça em Charlottville, silenciando-se assim uma voz literária que poderia vir a ser uma enorme afirmação nos anos seguintes. Ao que tudo indica o próprio encontrava-se sob o efeito de uma elevada quantidade de álcool mas falou-se na hipótese de ter sido uma acção inconsciente durante um episódio de sonambulismo, havendo ainda grandes lacunas quanto às circunstâncias do seu acto. As suas histórias apenas foram publicadas em livro anos mais tarde, após a sua morte, sendo que a primeira edição data de 1983. Existem diversas edições onde são também encontrados pequenos textos e cartas, cada uma com um título diferente mas apresentando por norma a figura de uma raposa ou um fóssil de trilobite na capa. The Stories of Breece D’J Pancake, Trilobites and other Stories, ou ainda simplesmente Trilobites, são exemplos de nomes dados a colectânea dos seus contos, não havendo ainda nenhuma versão traduzida para o português de Portugal.
Apesar da sua vida efémera, Breece D’J Pancake conseguiu dar um contributo especial a uma literatura que precisava de algo que fosse simples e ao mesmo tempo excêntrico com as histórias que retrata nos seus contos. Embora seja bastante escasso e algo oculto, o seu trabalho manifestou-se de várias maneiras continuando a inspirar outros tantos autores e artistas conseguindo manter vivo o seu espírito aventureiro e jovial que, ao juntar ao talento exibido numa escrita descritiva e sedutora, consegue ainda hoje deixar uma marca considerável na literatura quatro décadas após a sua morte. Numa altura onde o mercado literário se encontra mergulhado numa ideologia comercial e consumista, baseando-se nas vendas massivas de certos livros, são nos tesouros mais profundos que conseguimos encontrar autores poucos conhecidos mas que sem grande esforço conseguem dar um pouco de mais cor ao nosso mundo e à nossa maneira de encarar a vida. E aqueles que se aventuraram ao ler os contos e as histórias de Breece D’J Pancake saberão isso muito melhor do que ninguém.