Aceita que dói menos
Carl Jung, conceituado psiquiatra suíço, imortalizou o seu trabalho ao concluir que tudo aquilo a que oferecemos resistência acaba por persistir. A ideia parece simples e de fácil compreensão, mas para cumpri-la uma vida inteira pode não ser suficiente. Gostamos de nos apegar a expectativas, opiniões e idealismos que nem sempre estão de acordo com a realidade. E é precisamente aí que ficamos desiludidos e entramos num loop de negação.
Nestes casos, só existem duas opções: resistir ou aceitar. A primeira hipótese, na maioria das vezes, vai fazer com que o problema se perpetue até aprendermos o que temos a aprender. A segunda solução é aquela que nos liberta, é o aperto de mão à realidade que nos pode apaziguar e fazer perceber que, mesmo quando não está, está sempre tudo certo.
Também cresci com essa ingénua crença de que o mundo devia ser como eu achava. Sim, também batia com o pé quando as coisas não eram como eu queria. Criei um retrato mental daquilo que, teoricamente, seria o ideal. Era como se o universo me devesse algo e tivesse que ir pagando, à medida que eu ia cobrando as prestações. Entretanto, tive de crescer e ver as coisas como elas são e não como eu gostava que fossem. Tive de aceitar que os meus pais eram como tinham de ser, que os meus colegas não iam mudar por minha causa, que o meu chefe ia continuar a ser como sempre foi e que a sociedade não estava nem aí para as minhas reclamações.
Tinha a ilusão de que o bem-estar era algo que vinha de fora para dentro. Acreditava que primeiro precisava de moldar o exterior, a meu belo prazer, para depois, aí sim, viver a derradeira e eterna felicidade. Rapidamente a vida encarregou-se de me mostrar que não era bem assim. Há milhões de fatores que eu não controlo, nem tenho de controlar. Tudo o que me resta é mudar o que depende de mim: a minha atitude, o meu olhar e as minhas escolhas. Não me cabe decidir o que é melhor para os outros, até porque nem tenho capacidades para tal.
O “aceitar” é muitas vezes colocado no mesmo saco do “conformismo” e da “apatia”. Vivemos na era do “bater punho”, do empreendorismo e da produtividade, em que “desistir é para os fracos”. Todos temos de ser excessivamente ambiciosos, ali a roçar a ganância, temos de ser líderes e conseguir inspirar os outros. Há uma pressão para “ser alguém” que tantas vezes não condiz com quem realmente somos. Mais nem sempre é melhor. Sofremos, lutamos e fazemos sacrifícios desnecessários, até que percebemos que não é por ali. Nesse instante, se soubermos aceitar, leve o tempo que levar, certamente que irá doer menos.
Quando nos magoamos, não temos obrigatoriamente de nos tornar vítimas. É verdade que é o mais fácil e imediato, mas podemos sempre fazer diferente. Podemos assumir o erro, sem culpabilização, aprender o que há para aprender e seguir. Podemos também perdoar o outro, se for o caso. Quem magoa, muitas vezes, está magoado também. Agiu mal porque não soube fazer melhor, pelo menos naquela ocasião. Estas pessoas não precisam de ódio, mas sim de amor. Perdoar, sim. Esquecer, jamais. A melhor forma de vingar (na vida) é não guardar rancor.
Ainda bem que há coisas que doem. Sem elas não teríamos forma de identificar os problemas. É a dor que nos faz ir ao médico e, tantas vezes, diagnosticar uma doença a tempo de ser curada. É a dor que nos mostra que aquela relação já não é para nós. É a dor que nos faz querer mudar de carreira. É a dor que nos faz mudar para hábitos mais saudáveis. E é quando a abraçamos e aceitamos que ela começa a doer menos. No fundo, o objetivo da dor nunca foi fazer-nos sofrer, mas sim libertar-nos do sofrimento.