“Acolher”: Claire Keegan faz tanto com tão pouco
Depois de “Pequenas Coisas como Estas”, “Acolher” é um novo triunfo da concisão e equilíbrio.
O leitor está em boa companhia quando dá o seu tempo ao que Claire Keegan tem para contar.
A simplicidade é difícil de alcançar.
Não é raro a abundância esconder o vazio. Nesse caso, as palavras dissimulam o que o escritor tem para dizer:
– Pouco ou nada.
Há também mais uma dou duas razões:
– Uma, mais comercial, que aponta para a dimensão do objecto aceitável para o consumidor; outra, mais ególatra, que tem o amor próprio do escritor directamente proporcional ao número de páginas.
Claire Keegan (n.1968) mostrou, em “Pequenas Coisas como Estas”, que sabe fazer muito com pouco.
“Acolher” (Relógio d’água; trad. Marta Mendonça) confirma a capacidade de sugestão da autora nascida em Wicklow, Irlanda.
A mais recente obra de Keegan, vencedora do “Davy Byrnes Irish Writing Award”, mantém a economia de meios que, neste caso, está agregada às características do conto.
Em “Acolher”, uma menina é deixada pelos pais numa quinta situada em zona rural irlandesa. Não tem data de regresso, nem sabe se vai voltar.
Fica numa casa estranha com um casal estranho. O medo e o desconforto vão cedendo ao afecto até ali inesperado. Está mais em casa do que na casa dos seus pais biológicos. Perceberá a razão.
Cada frase é trabalhada para reflectir luz, para afastar a neblina que enevoa a interpretação. É um organismo equilibrado e simples na aparência. Tudo isto é difícil de alcançar, mas não é o principal mérito de “Acolher” [ “Foster”, no original].
A elegância da prosa tem nos seus silêncios, no seu “ponto cego”, a revelação.
Claire Keegan gere as revelações com mãos hábeis e talentosas. A simplicidade da história pode enganar os mais incautos. O mais relevante está nas brechas, está na luz que por aí entra. O não-dito revela as causas.
O conto apela à economia e simplicidade; esse apelo não o torna mais fácil de executar.
O horror ao desperdício da autora faz do conto a forma propícia para a sua estilística. Não há palavras supérfluas no romance “Pequenas Coisas como Estas” e neste “Acolher”. Há elegância e luminosidade. Há literatura.