“Ad Astra”, de James Gray: dos subúrbios de Nova Iorque para os anéis de Neptuno
Volvidos dois anos, o realizador James Gray está de regresso, com a sua primeira incursão pela ficção científica. Os filmes do cineasta norte-americano sempre orbitaram em torno da vivência de idiossincráticas famílias imigrantes em Nova Iorque. Mais recentemente, com “The Lost City of Z” (2017), Gray subverteu esta tendência, expandindo a escala do seu cinema, de pequenos bairros na Big Apple para a floresta amazónica. “Ad Astra” leva-nos agora até aos confins do espaço. É como se o próprio realizador se quisesse afastar da sua zona de conforto, abrindo o escopo dos seus filmes e submetendo-os às convenções de diferentes géneros cinematográficos. As semelhanças entre as suas duas últimas obras são sintomáticas, dois exploradores que abandonam a sua família em busca do inalcançável (civilização perdida vs vida alienígena). A perspetiva é invertida, no entanto, no filme anterior seguimos o pai que abandona, agora o filho abandonado.
As personagens do cineasta norte-americano sempre pareceram agir sob um predeterminismo que as conduz a uma inevitável tragédia. O astronauta Roy McBride (Brad Pitt) não é excepção. Destacado para uma missão espacial que o levará até Neptuno, Roy tenta entrar em contacto com o seu pai (Tommy Lee Jones), também ele cosmonauta e presumivelmente desaparecido numa expedição há mais de 30 anos. A sua jornada leva-o à descoberta de segredos sombrios da agência espacial e do seu próprio pai, que todos tinham como incontestável herói.
A câmera de Hoyte Van Hoytema acompanha a epopeia como se ela própria estivesse submetida à falta de gravidade, muitas vezes em planos ponto de vista do interior do capacete de Pitt, submergindo-nos na sua jornada. As extraordinárias imagens espaciais são pinceladas em tons cinza (Lua), vermelho (Marte) e azul (Neptuno), em sequências ora mais contemplativas ora de pura ação e suspense. Brad Pitt representa a instabilidade emocional de Roy num permanente confronto entre a frieza e a fragilidade, que começa a despontar conforme se aproxima do seu pai e do embate com o passado. A sua expressão facial transmite-nos esta dualidade de forma sublime, sublinhada pela voz off malickiana que vai acompanhando o personagem.
São naturais as comparações com os clássicos “2001: Odisseia no Espaço” (1968) de Stanley Kubrick ou “Solaris” (1972) de Andrei Tarkovsky, mas Gray volta a aproximar-se mais de Francis Ford Coppola e, neste caso, do seu “Apocalypse Now” (1979). A sombra de Coppola sempre pairou sobre os seus filmes, e as semelhanças voltam a ser deveras evidentes. No trajeto de descoberta do protagonista, no seu objetivo de resgatar alguém que se afastou da sociedade e assume um comportamento alienado que aparenta a demência.
Existe um vincado contraste entre a grande escala da superfície do filme – que vai cumprindo os códigos do género de ficção científica no espaço – e o seu interior – que se aproxima mais do drama familiar, fundado na relação tóxica entre pai e filho. Os acontecimentos têm lugar nos anéis de Neptuno mas poderiam ocorrer nos subúrbios de Nova Iorque, na pequena vila de Odessa – local do primeiro filme do autor (“Little Odessa” (1994)).
O filme acaba por se constituir como meditação em volta do fim da existência, da morte, do legado deixado de pai para filho, da inevitabilidade do determinismo genético no condicionamento do comportamento humano. No final, o que fica é aquela mão de Roy, que avança na direção do pai, mesmo depois de ter sido abandonado e rejeitado. É esta incomensurável compaixão que atravessa a obra de Gray que é cada vez mais rara no cinema e o eleva ao patamar dos mais importantes autores americanos contemporâneos.