‘Addendum’ é o novo olhar de John Maus sobre nós
Após seis anos de hiato para terminar o doutoramento em Filosofia Política, John Maus voltou em 2017, com Screen Memories, e foi preciso esperar menos de um ano para editar Addendum.
O doutor da synth-pop vanguardista, ex-colaborador de Ariel Pink, que é igualmente conhecedor da obra de Fernando Pessoa, particularmente de Alberto Caeiro (que diz ser o único autor/heterónimo capaz de explicar o Cristianismo) é um homem de poucas vaidades, admirador de inúmeros intelectuais, nomeadamente, filósofos e outros pensadores. No entanto, é na música que encontra o meio de expressão perfeito para a sua libertação física, romântica, política e social. Se We Must Become the Pitiless of Ourselves ou Screen Memories corriam sobre melodias ansiosas, Addendum não é diferente e até se pode considerar isso mesmo: um “addendum” a Screen Memories.
Em Screen Memories, John Maus obrigou-nos a olhar para dentro, a reflectir sobre as nossas memórias, aquelas que estão longe dos ecrãs — o que por estes dias se torna numa tarefa cada vez mais difícil, devido à sociedade de ecrãs do século XXI. O compositor de Minneapolis regressou ao passado, ao tempo em que o único ecrã era a televisão. Apesar da componente temática do álbum anterior, Addendum segue a mesma linha de pensamento crítico, volta a questionar, sem muito espaço para acrescentar ou contextualizar: “My friends, my friends, there is no friend. We are all alone forever”, alerta Maus logo na faixa inaugural, “Outer Space”. É, portanto, um elemento de continuidade que mais do que um álbum, é um ensaio ou um exercício de ponderação, funcionando neste caso como segundo volume.
As estruturas harmoniosas mantêm-se inalteradas e praticamente semelhantes aos trabalhos anteriores do artista. Addendum não acrescenta elementos melódicos novos; drum machines marcam secções rítmicas esquizofrénicas, os teclados voltam a ser enigmáticos e estridentes. Se existe um instrumento destacável nas produções de John Maus é o baixo com as linhas bem vincadas e robustas, voltando a ser relevante neste disco — ora escute-se “Mind The Droves” ou “Running Man”.
Como é habitual na discografia de John Maus e este álbum não é excepção, a voz distancia-se, reverbs e delays no ponto, lembrando-nos até Ian Curtis ou outros ícones do pós-punk. As entoações longínquas encarregam-se das ironias, assim “Privacy” torna-se profética, mas sem nunca deixar cair a carga reivindicativa: “Happy Alone. No one I know or think that they know. What I’m all about.”
O isolamento do Homem perante os gadgets digitais, a importância das relações humanas e as novas tecnologias (ou como os humanos se relacionam com elas), os vícios e os hábitos que foram criados pelo meio digital, voltam ao olhar crítico do autor. “Episode! Show me another one”, ironiza John Maus em “Episode”, sobre consumo alucinante de séries nas plataformas de streaming. No tema “Pets”, de Screen Memories, já fazia referência a esta dependência, onde brincava com uma fatídica possibilidade: “Your pets are gonna die!”
Se na fase de pré-doutoramento, We Must Become the Pitiless of Ourselves tinha mais de storytelling, apesar de colocar sempre o dedo nas feridas sociais e políticas. Após o doutoramento, John Maus abre outro capítulo, e Screen Memories surge como uma versão moderna [e sonora] de 1984, de George Orwell. Agora, Addendum não é refrescante, a produção peca pela falta de novidade, mas uma vez mais, destaca-se a coerência na obra de John Maus. A lógica de continuidade que é dada de Screen Memories para Addendum revela-se discreta, porém, genial. E a genialidade está nos detalhes mais sóbrios, numa obra que pode ser escutada em dois volumes, tornando John Maus numa peça singular da pop actual.