Álbum de estreia de Eu.Clides “Declive” é editado na sexta-feira
O músico Eu.Clides edita na sexta-feira o álbum de estreia, “Declive”, que se posiciona “no centro” de todos os sítios por onde passou, da música clássica à eletrónica, passando pelo gospel e pelos sons de Cabo Verde.
Pedir a Eu.Clides para definir a música que faz “é difícil, porque envolve muita coisas”, tendo em conta que já passou “por muitos sítios, muita música diferente, desde a música clássica ao gospel, à música portuguesa”.
“Diria que estou um pouco entre isso tudo. Depois há a música cabo-verdiana também, e ainda a eletrónica, que apareceu mais tarde. Diria que o disco é algo no centro disso tudo”, contou Euclides Gomes (Eu.Clides) em entrevista à agência Lusa.
O percurso de Eu.Clides começa em 1996, em Cabo Verde, onde nasceu. Um ano depois, mudou-se para Portugal, onde aos oito anos começou a estudar guitarra clássica no Conservatório de Aveiro. “Só parei os estudos de guitarra clássica com 19, 20 anos, já em Paris“, onde vive atualmente, recordou.
Antes de começar a carreira a solo, e já a viver na capital francesa, acompanhou o grupo senegalês Daara J Family em digressão, e mais tarde passou a fazer parte da equipa da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade, artista que ouvia “desde míudo” e cujo concerto que viu em Coimbra foi o primeiro na vida para o qual comprou bilhete.
Tocar com os Daara J Family e Mayra Andrade acabou por influenciar Eu.Clides sobretudo “culturalmente”: “a oportunidade de estar em vários países, de interagir com eles e aprender muito”.
“Muitas vezes senti-me bastante pequeno em alguns sítios onde estive, a ouvir outras pessoas, cruzar-me com outros músicos. Senti-me mesmo ‘super pequeno’, e acho que isso fez-me crescer, como pessoa e musicalmente também, porque acredito que quando te reduzes a nível pessoal, quando te tornas mais humilde, a tua música pode crescer bastante. Acho que foi crucial”, partilhou.
Eu.Clides sente que vive com o “bichinho” de querer criar um projeto a solo “desde a guitarra clássica”. “Comecei a habituar-me a concertos, competições, concursos, audições. Por volta dos 16, 17 anos comecei a ter as minhas primeiras experiências, ainda que algumas bastante pequenas, de ver o meu nome num cartaz. Isso de alguma forma era especial, porque acabava por comunicar com as pessoas. A música clássica não tem propriamente letra, mas fala por si, e acabava por ter interações pós-concerto com as pessoas, e isso sempre foi algo que me fascinou muito”, recordou.
Essa vontade cresceu ainda mais na altura em que tocava com Mayra Andrade. “Aconteceu bastante pensar ‘ok, estou num sítio ideal’, mas ainda assim sentia essa falta de passar a minha própria mensagem. Nos concertos há muita interação entre artista e público, e às vezes eu olhava para o público e tinha vontade de dizer outras coisas, as minhas coisas. Sentia bastante essa vontade de fazer o meu próprio projeto, que tinha não que ver com o prestígio que isso me pudesse dar, mas com o contacto com as pessoas”, disse.
A solo, além de guitarrista, acabou por tornar-se também cantor por sentir que “quando cantava acabava por conseguir transmitir mais coisas às pessoas”.
Eu.Clides considera-se “muito melhor guitarrista do que cantor”, mas quando canta, além de poder passar uma mensagem através de palavras, “o próprio canto acaba por ser muito mais sensível, mais profundo e acaba por comunicar ainda melhor com as pessoas”.
“Senti que era esse o próximo passo. Sinto-me guitarrista, como é óbvio, mas muito mais do que isso, sinto-me artista, e acho que não dependo de uma guitarra para passar a minha música para as outras pessoas”, referiu.
Em 2020, divulgou o primeiro tema, “Terra-Mãe”, uma homenagem à Liberdade e ao 25 de Abril de 1974.
Seguiram-se “Ir para quê?” e “Tempo Torto”, este último em colaboração com Branko, com quem voltaria a trabalhar nos temas do EP “Reservado”, editado no ano seguinte, marcado também pela participação no Festival da Canção e pelos primeiros concertos a solo.
A participação no Festival da Canção, interpretando o tema “Volte-Face”, composto por Pedro da Linha, foi uma “experiência super enriquecedora”. “Muitas pessoas conheceram-me e acho que dali começou uma nova fase do meu projeto”, disse.
A colaboração com Pedro da Linha correu tão bem que decidiram “continuar esse processo, que se desenvolveu para este disco”, “Declive”.
Além de Pedro da Linha, Eu.Clides tem outro importante ‘colaborador’: Tota, um “instrumentista, muito forte em composição, mas cujo ponto mais forte é a escrita”.
A “qualidade lírica é crucial” para Eu.Clides, que considera nem sempre a conseguir ter, por isso delegou a função de escrever letras no “grande amigo” Tota.
“Um bom letrista é alguém que sabe ouvir o artista, explicá-lo e interpretá-lo. Já aconteceu a minha mãe ouvir e pensar ‘isto foste tu [que escreveste]’, e não fui. Sei conversar com o Tota, sei o que quero, a relação torna-se forte e artisticamente as coisas acabam por ter muito mais força. Para mim é ‘super importante’ ter alguém a dar-me esse ‘boost’ e isso não me reduz em nada”, afirmou.
Para Eu.Clides é “’super natural’ ter uma equipa que consiga contribuir para um projeto a solo”. “Sinto que estes nomes acabam por me dar mais, porque ambos percebem qual é o meu projeto e de que forma podem contribuir para ele”, defendeu.
Os onze temas que compõem “Declive” têm por base parábolas. “Ambos [eu e Tota] somos cristãos [no Cristianismo a parábola é uma pequena narrativa que usa alegorias para transmitir uma lição moral], e decidimos criar histórias relacionadas com parábolas, algumas a partir de experiências pessoais, outras histórias que criámos, e outras histórias que existiram e decidimos contar através das minhas músicas”, contou Eu.Clides.
Já o título do álbum, além de “ter muitas letras em comum com Euclides”, tem ligação à ideia base do disco, “a parábola e os altos e baixos da vida”.
O músico lembra que a parábola, “como figura geométrica, tem a forma de altos e baixos, e o declive representa a ideia de rampa”.
“É um disco que representa muito uma fase baixa da minha vida, em que tive que lidar com muita ansiedade e stress. Às vezes olhamos para a dor e estes problemas como algo que nos destrói e eu estou a tentar olhar para eles como uma rampa, algo que nos pode construir para algo melhor. Ou seja, acho que quando as pessoas ouvirem o disco vão pensar ‘é muito doloroso’, mas no entanto há sempre aquele toque de positividade e de construção”, referiu.
Nos concertos de apresentação de “Declive” ao vivo, cujas datas serão anunciadas em breve, Eu.Clides estará em palco acompanhado por Tota e um outro multi-instrumentista, Ricardo Coelho.