‘Alien: Covenant’, o sacrifício do thriller em detrimento da mitologia narrativa

por David Bernardino,    30 Maio, 2017
‘Alien: Covenant’, o sacrifício do thriller em detrimento da mitologia narrativa
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Ícone da cultura popular cinematográfica e pioneiro de um certo cinema série B de monstro espacial que se viria a tornar subgénero de terror, ‘Alien’ é nome de peso na indústria e certamente continuará a ser. Depois de Ridley Scott ter realizado ‘O Oitavo Passageiro’ em 1979, dando início a um franchise do qual se manteria afastado durante 33 anos, e que andaria de mão em mão (sempre mãos talentosas: Cameron, Fincher e Jeunet) até 1997 com ‘Resurrection’, pareceu um milagre que Scott fosse regressar a ‘Alien’ com uma prequela que todos queriam na linha do original. Em vez disso, em ‘Prometheus’, Ridley Scott preocupou-se em dar início a uma mitologia espacial que nunca havia sido foco em nenhum dos filmes anteriores, criando um filme desequilibrado mas agradável e narrativamente interessante. Em ‘Alien: Covenant’ essa mitologia alarga-se, mas agora não havia como escapar ao chamariz do título e à consequente necessidade de regressar às origens, colocando o famoso xenomorph no ecrã, sem resguardos, como a “malta gosta”.

Ficamos com sensações mistas depois de o ver, porque parece que o mais interessante em ‘Covenant’ é a dupla interpretação de Fassbender enquanto andróides David e um seu modelo mais avançado Walter, as questões existenciais que essa relação levanta ao mesmo tempo que existe um debate interior de personalidade através da dicotomia vida artificial/vida humana que acompanha a ficção científica, mesmo enquanto género literário e não apenas cinematográfico, desde os seus primórdios. Como é seu apanágio, Michael Fassbender tem mais uma brilhante interpretação que o destaca não só dos seus colegas actores como do próprio argumento onde ele é parte chave. Parece que estamos a ver dois filmes, enquanto no segundo, que será no fundo o background onde David e Walter se movem, Katherine Waterston se esforça para fazer de Ellen Ripley, como Noomi Rapace já havia feito em ‘Prometheus’. No fundo Scott está muito mais interessado em explorar outras coisas, mais profundas, que o Xenomorph, e em boa verdade esta nova linha narrativa iniciada com ‘Prometheus’ caberia perfeitamente em qualquer outro universo que não o de ‘Alien’, mas isso já serão opções certamente de estúdio que não poderemos censurar a bem do entretenimento, pois também ele é cinema, e importante.

Tudo isto resulta num filme que acaba por sacrificar intensidade e suspense em detrimento de elementos narrativos complexos e vastos em termos de volume que têm dificuldade em ter lugar de forma equilibrada num thriller de duas horas como é ‘Covenant’, que, acreditamos nós, deve ter passado muitas e muitas horas na sala de montagem ou não teria sido preciso lançar dois prólogos online previamente para o seu argumento ser melhor entendido. Seria preciso mais uma hora para que tudo fosse feito na medida e proporção certas, e não é, com um terceiro acto ansiado pelos fãs que acaba por sair insípido, apressado, sem grande significado. Sacrifica-se desenvolvimento de personagens, que acaba por só existir com Fassbender, para enfiar mais e mais informação, até onde couber, numa preparação para uma sequela que irá seguramente acontecer. Ainda assim é muito difícil deitar fora outros elementos agradáveis que Covenant também tem, como o seu design de produção e alguns efeitos especiais de rara aceitação da nossa parte. Por outro lado, o filme é sério, directo e, salvo uma ou outra tentação (como a piadita da cena do chuveiro), ‘Covenant’ é sempre um filme sóbrio e de belíssimo efeito de entretenimento. Mas podia e devia ser muito mais e melhor, como se espera seja o terceiro filme de uma trilogia de prequelas já anunciada por Ridley Scott.

Porque é bom: Excelente design de produção; mais uma grande interpretação de Fassbender que se destaca não só dos seus colegas como do próprio argumento; mitologia casa vez mais intrigante e interessante.

Porque é mau: Pouco espaço para o desenvolvimento de personagens à excepção de Fassbender; demasiada informação e elementos narrativos para duas horas de filme que se tentam equilibrar de forma ineficaz com a componente de thriller do filme.Crítica também publicada no blog The Fading Cam

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