Alunos e alunas de grego e latim
A personalidade dos Estudos Clássicos mais célebre do planeta, hoje, é uma mulher: Mary Beard, professora da Universidade de Cambridge. Tive o gosto de a conhecer pessoalmente há muitos anos, em 1998, quando assisti em Cambridge a uma conferência (seguida de cocktail) por ela organizada em homenagem a Jane Harrison (1850-1928), uma estudiosa de Cambridge pioneira na investigação sobre a religião grega antiga. Nessa conferência a que assisti em 1998, estava igualmente presente Pat Easterling, a primeira mulher a ocupar o lugar de catedrático régio («Regius Professor») de Grego em toda a história da Universidade de Cambridge.
Sendo eu próprio português, vindo de um meio universitário em que a maior classicista era Maria Helena da Rocha Pereira, achei normalíssimo o protagonismo e a veneração de que estas académicas em Cambridge gozavam. Na minha experiência pessoal de professor de línguas clássicas há 30 anos, sempre achei que o grego e o latim são línguas que têm um apelo transversal e que tanto alunas como alunos se interessam por igual por este tipo de matéria. Não estamos a falar de um curso tradicionalmente «típico de rapazes» (ao que parece, aqui em Coimbra isso é o caso de algumas Engenharias, mas não falo com conhecimento de causa – só estou a repetir o que ouvi comentar). Já tive alunas de grego absolutamente geniais e já tive alunos de grego absolutamente geniais também. A incidência de broncos e broncas também não depende do género.
Imaginem, então, o meu espanto ao ler hoje que a Universidade de Oxford está a pensar mudar o seu curso de Estudos Clássicos de modo a permitir que mais alunas obtenham a classificação máxima: isto porque, estatisticamente, as classificações mais altas são obtidas, em maior número, por rapazes.
A avaliação em Oxford e Cambridge é feita por exames no sistema «double blind» e por uma equipa de correctores. Tipicamente, num exame de literatura grega, por exemplo, cada professor da equipa classificará somente uma pergunta do exame, que, como digo, é anónimo. O universo de alun@s a fazer os exames finais é mais ou menos 80 – seria impossível um examinador perceber no meio desses 80 exames anónimos quem é que escreveu as respostas, até porque, para garantir a imparcialidade dos resultados, quem corrige os exames não é necessariamente quem leccionou as cadeiras. Mais isenção no sistema de avaliação é impossível.
Em Oxford e Cambridge, todos os exames de grego e latim (e de literatura grega e latina) são realizados sem dicionário, o que exige uma familiarização mais demorada com a língua. Tradicionalmente, muitos dos rapazes que fazem Estudos Clássicos em Oxbridge fizeram o ensino secundário em colégios privados, onde começam a estudar latim aos 10 anos e grego aos 12. O próprio exame destas línguas correspondente ao nosso 9.º ano (GCSE – General Certificate of Secondary Education) é bastante exigente – e é feito sem dicionário. O exame correspondente ao 12.º ano é mais exigente ainda. Quem tem esta tarimba, chega à universidade com um à vontade enorme em latim e grego – e com aptidão para enfrentar o tipo de avaliação que é feita nestas matérias ao nível universitário.
Ao que parece, Oxford vai passar a incluir mais temas nas matérias estudadas que possam ser «mais aliciantes» para as alunas. Acho isso, sinceramente, um insulto. É o mais sexista e palerma que se pode fazer.
Se, actualmente, se verifica que há uma percentagem maior de alunos a obter as classificações mais altas relativamente às suas colegas, o que se deve fazer é mobilizar esforços para que as raparigas no ensino secundário TENHAM O MESMO ACESSO à leccionação sólida de latim e de grego que tiveram os seus colegas rapazes. A solução é somente essa.