‘America’, de Olga Bell: a nostalgia da fragilidade
De maneira surpreendente, Olga Bell transporta-nos para ’America’, o seu novo EP de 2017, lançado no propositdamente no Fourth of July, o dia em que se comemora a independência americana.
O ano passado, a artista tinha lançado o álbum ‘Tempo’: transmitia bastante gentileza, deixando a nossa atenção completamente focada nas palavras e nas melodias que parecem gestos. São músicas que nos recarregam sem nos apercebermos; que nos fazem dançar por dentro, e por vezes também por fora; movem-nos da solidão no meio de uma multidão para o interior confortável do nosso quarto.
É com simplicidade que ela se expressa, e nos envolve nas suas harmonias como se fôssemos também notas musicais. Assim, partimos de um estado interior para o exterior das suas melodias, e passamos a habitá-las neste estado de transe até que algo nos desperte.
Bell refere-se a este trabalho como feito para o corpo e mais tarde para a mente. Mais do que para o concreto, pretende atingir uma abstracção electrónica, com vocais suaves a acompanharem uma dança de espectros.
A relação entre o corpo e a mente também é explorada através da intensidade das notas, e da exploração de sensações. Existe um conceito atmosférico que sobrevoa o álbum: parece leve e aprazível. Essencialmente, está bem construído. Cria linhas sonoras como se fossem gráficas, concretas e precisas; e traça um percurso de experiências ressonantes que se entranham na dinâmica do corpo.
Este álbum também fala de espaço, e torna-se complementar ao anterior ‘Tempo’. Por vezes é frio, e perdemo-nos na sua vibração dance pop, por vezes aconchegante, que expõe uma fragilidade excepcional.
O EP tem apenas 5 músicas. A que mais se destaca é a penúltima, “Special Leave”, que conta uma história vinda de um livro, um soldado que retorna a casa, vindo da guerra. Os versos parecem sonetos que narram consistentemente a dor que a guerra deixa. Somos invadidos pela tristeza fria que estas palavras e sons nos deixam. Ouvimos constantemente frases como “When I get home from the war” ou mesmo “I want you to be waiting at the door”. Sentimos a fragilidade da vida, que por vezes nem sequer regressa. O foco talvez seja a introspecção daquilo que damos por garantido, e que muitas vezes já não está em casa. A esperança regressa quando pensamos sentir a música que ouvimos. No ondular da sua melodia, nervosos por se falar em guerra, nadamos, entre sintetizadores e suaves vozes que flutuam num mar próximo.
Bell apresenta-nos uma exploração ampla da realidade, através dos sons dos sonhos. Trabalha a música como o cinema trabalha a luz, de forma orgânica, temperamental e atmosférica.