‘American Honey’ e a celebração do espírito livre
Antecipado com grande expectativa e aclamado como um dos acontecimentos indie do ano, American Honey é uma obra da realizadora Andrea Arnold. A inglesa, que em 2009 nos trouxe o fantástico Fish Tank, foge assim do seu “aquário” britânico, aventurando-se pelas estradas americanas. Um road movie neorealista que explora estes EUA de desigualdades sociais. Robbie Ryan traz-nos uma fotografia em forma de bálsamo para os sentidos, num conto deambulante sobre a juventude sem rumo traçado (“We’ll explore like… America“, diz uma das personagens logo no início).
Movido pela força da sua promissora protagonista, American Honey tem em Star (Sasha Lane) a sua tour de force. Star junta-se a uma mag crew, um grupo de jovens que vende revistas porta-a-porta por várias localidades, a convite de um Shia LaBeouf que se voltou a lembrar que era actor num saudoso regresso como o complexo e interessante Jake, o par amoroso de Star, mas que também mantém com Krystal (a sua patroa) uma interessante relação.
Há em American Honey uma refrescante negação a convencionalismos narrativos, sendo que é também um erro e um exercício desnecessário apontar-lhe semelhanças com Spring Breakers de Harmony Korine. American Honey é filme com viagem própria e sem destino ou rota marcada, de vivências e explorações distintas a pares inexistentes. O filme de Andrea Arnold despe-se de qualquer roupagem que lhe queiram atribuir, exultando a sua leveza e espiritualidade de indie movie com melodia própria.
Uma obra sobre o espírito livre e indomável, mas ainda assim “inocente” e “doce”. Uma descrição que encaixa na perfeição na personagem de Sasha Lane, mas também na música dos Lady Antebellum que dá título ao filme: «Free as a weed/ Couldn’t wait to get goin’/But wasn’t quite ready to leave / So innocent, pure and sweet». O grupo de jovens transporta consigo uma sensação de locomoção constante para um futuro incerto, como o de tantos outros jovens nos nossos dias. American Honey é um filme sobre movimento e sobre uma geração em constante e inquieta procura de melhores condições de vida ou de um local onde possa simplesmente viver e ser feliz. Mas é também uma geração que arrisca, que se aventura, que quer descobrir e aprender mais do que o necessário, experienciando novas emoções, sensações, sentimentos e falhanços. Tudo sem medos.
É em gloriosos e luminosos momentos de comunhão conjunta e dança desgarrada ao som de “We Found Love” que todo o jovem grupo de venda de revistas tem os seus reais momentos de liberdade e de exultação onde não pensam sobre mais nada que não no seu sentimento de felicidade instantâneo. Estes desajustados de uma sociedade onde não pertencem vão explorar diferentes localidades e realidades, vistas por esse olho exterior que é Andrea Arnold que usa os contrastes imagéticos como força narrativa. Os arranha-céus em choque com os parques de roulottes, ou as vivendas luxuosas perto de motéis baratos onde todo o grupo fica alojado. O glamour dessa mensagem presente na comparação de ambos os extremos de uma sociedade americana está lá todo, chocando com força na clivagem entre pobreza e ostentação.
Não deixa ainda assim de ser um filme com o seu “quê” de efémero, nesta que é uma busca por um significado que nenhum de nós sabe existir. O problema reside no facto do próprio filme também não descobrir esse seu propósito existencial passado quase três horas. Mas é aí que acaba por surgir também a sua graça. Esse seu constante espírito errante de busca contínua tem tanto de exasperante e redundante quanto de contagiante.
Em ante-estreia nacional no Lisbon & Estoril Film Festival, o filme tem a sua estreia anunciada para dia 17 de Novembro em Portugal.