“Anna Karénina” de Tolstói inaugura coleção dedicada a obras traduzidas por José Saramago

por Lusa,    11 Novembro, 2023
“Anna Karénina” de Tolstói inaugura coleção dedicada a obras traduzidas por José Saramago
José Saramago / Fotografia de Juan Ramón Iborra/FJS

A tradução de “Anna Karénina” feita por José Saramago na década de 1950, a partir de edição francesa, será publicada na próxima quinta-feira, dia 16, data em que o Nobel da Literatura completaria 101 anos, anunciou a Porto Editora.

Esta edição do romance de Lev Tolstói dá assim início à coleção “Escrever é Traduzir”, com que a Porto Editora vai recuperar traduções literárias feitas por José Saramago entre os anos de 1950 e a década de 1980, sobretudo na área da ficção, “ainda antes do reconhecimento” do autor de “Memorial do Convento” enquanto escritor, como afirma a casa editorial.

Publicada originalmente no final da década de 1950 pela Editorial Estúdios Côr, esta versão de “Anna Karénina” surge com o texto introdutório de Saramago intitulado “Traduzir”, de onde vem o nome da coleção.

Escrever é traduzir. Sempre o será. Mesmo quando estivermos a utilizar a própria língua”, afirma o autor de “O Homem Duplicado“, defendendo que “o trabalho de quem traduz consistirá, portanto, em passar a outro idioma, aquilo que na obra e no idioma originais já havia sido ‘tradução’” — ou seja, “uma determinada perceção de uma realidade social, histórica, ideológica e cultural” alheia ao tradutor e que, ao ser substanciada, se traduz num “entramado linguístico e semântico que igualmente não é seu”.

Neste curto texto em que José Saramago (1922-2010) reflete sobre o ofício de tradutor, argumenta: “O diálogo entre o autor e o tradutor, na relação entre o texto que é e o texto a ser, não é apenas entre duas personalidades particulares que hão de completar-se, é sobretudo entre duas culturas coletivas que devem reconhecer-se”.

De acordo com a página dedicada às traduções feitas pelo escritor, no sítio da Fundação José Saramago na Internet, “A centelha da vida”, de Erich-Maria Remargue, constitui a primeira tradução literária de José Saramago, e foi editada pelas antigas Publicações Europa-América, em novembro de 1956.

Até 1983, ainda segundo a fundação, Saramago traduziu cerca de 60 títulos de autores como Jean Cassou, Gabriel Audisio, Guy de Maupassant e Colette, atravessando géneros que vão da ficção, ao ensaio e à divulgação. 

O percurso das traduções acompanha assim o período de afirmação e reconhecimento literário do escritor, tendo em conta títulos como “Os Poemas Possíveis”, de 1966, e “A Bagagem do Viajante”, de 1973, que se encontram entre os primeiros publicados, e “Memorial do Convento” e “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, obras de consagração, vindas de 1982 e 1984, respetivamente.

A Porto Editora disse à Lusa que a coleção agora iniciada deverá concentrar-se na ficção traduzida por Saramago. 

Entre as obras que passou para português, porém, contam-se títulos como “O Tempo das Catedrais”, de Georges Duby, e “Arte do Ocidente”, de Henri Focillon, ambas da Editorial Estampa, vindas já da viragem dos anos de 1970 para a década de 1980, assim como “História da Alemanha”, de Otto Zierer, para o Círculo de Leitores, e “A Civilização Grega”, de André Bonnard, para as Edições 70.

Nas décadas de 1950 e 1960, os títulos traduzidos por José Saramago surgem essencialmente nos catálogos das Publicações Europa-América e da Editorial Estúdios Côr, onde então trabalhava como responsável pela produção. São, na maioria, de autores franceses ou feitas a partir de edições francesas de escritores de outras nacionalidades.

“A mulher infiel”, de Jules Roy, “Uma mulher em Berlim”, de Christine Garnier, a trilogia “08-15 – A Caserna – A Guerra – A Derrota”, de Hans Hellmut Kirst, assim como “Deus Dorme em Masúria”, deste autor alemão, “A Sibila”, do sueco Pär Lagerkvist, “O denunciante”, do irlandês Liam O’Flaherty, são alguns dos títulos desse período, a que se juntaram ensaios e obras de divulgação como “Panorama das Artes Plásticas Contemporâneas”, de Jean Cassou, e “URSS — Depoimento dum socialista francês”, de Jules Moch.

Da década de 1960, destacam-se igualmente as traduções de Colette – “Chéri” e “O Fim de Chéri” -, tendo a Editorial Presença e A Sangue Frio Editores retomado a sua versão de “Chéri” em anos mais recentes.

Em 2012, a Relógio D’Água também recuperou as traduções de “Mademoiselle Fifi e Contos da Galinhola”, de Guy de Maupassant — com o prefácio original de Saramago —, que tinham sido editadas pela Estúdios Côr na década de 1960, sob o título “Novelas e Contos de Maupassant”.

Nos anos de 1970 e 1980, Saramago traduziu sobretudo para editoras como a antiga Moraes, a Editorial Estampa, o Círculo de Leitores e a Caminho. Nesta última surgiu um dos seus derradeiros trabalhos de tradução, “Os Românticos”, do turco Nazim Hikmet.

“As grandes correntes do pensamento contemporâneo”, de Michel Richard, “Ditadura do Proletariado”, de Etienne Balibar, e “Portugal – Os Pontos nos ii”, uma homenagem à queda da ditadura portuguesa por Jacques Frémontier (todas na Moraes), estão entre as obras traduzidas por Saramago neste período, à semelhança da sua antologia de “Contos Polacos” do século XX, publicada pela Estampa, na qual reuniu mais de duas de dezenas de autores como Witold Gombrowicz, Bruno Schulz, Jan Parandowski e Stanislaw Lem.

Algumas das edições originais das traduções de José Saramago encontram-se na exposição permanente “A Semente e os Frutos”, na sede da Fundação José Saramago, em Lisboa.

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