Anthony Bourdain, o retrato de um homem que via a humanidade em qualquer olhar

por Francisco Themudo,    8 Junho, 2025
Anthony Bourdain, o retrato de um homem que via a humanidade em qualquer olhar
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A capacidade de ver o outro, de o reconhecer genuinamente em tempos de individualismo, é uma das virtudes mais nobres e frágeis da nossa espécie.

Somos, por natureza, animais sociais, moldados para conviver em harmonia e conflito, partilhando linguagens, costumes e sabores, numa multiplicidade de latitudes e longitudes.

Numa época onde o tribalismo prevalece, em que cada bolha parece convencida da sua superioridade, houve sempre um olhar que rompeu com esta arrogância, observando o mundo com uma curiosidade sem preconceitos.

Foi assim, livre, que Anthony Bourdain percorreu a quase totalidade dos países do mundo. Quando nos revelou a beleza inesperada do centro de Teerão e dos seus olhares acolhedores, a navegar lentamente pelas águas turvas do rio Congo, em contacto com tribos e a dura história da colonização belga, ou a vislumbrar, no caos do transito motorizado, a vida dos vietnamitas, através das frechas das suas portas, Bourdain sabia encontrar a poesia de cada cultura em cada gesto quotidiano.

Anthony Bourdain / Fotografia de Peabody Awards / via Wikimedia Commons

“I write, I travel, I eat, and I’m hungry for more”, dizia ele, no genérico do seu primeiro programa. Foi essa fome insaciável de conhecer mais olhares, mais comidas, mais culturas, que me cativou ao longo de centenas de episódios. Foi essa curiosidade que me fez sentir vontade de partir, seguir-lhe os passos e descobrir por mim lugares como a Lunch Lady na cidade de Ho Chi Minh, a irreverência tranquila da Christiania em Copenhaga, o amanhecer mágico em Bagan ou a floresta milenar do Bornéu.

Encontrar o olhar do próximo, reconhecer-lhe bondade, partilhar a sua comida, ouvir as histórias da sua cultura, as agruras com o futuro, o desespero das suas histórias. A empatia de viajar e estar disponível a quem não conhecemos foi, sem dúvida, um dos maiores ensinamentos que retive em toda a minha vida e o Antonhy Bourdain, através das suas crónicas audiovisuais, foi o meu grande professor.

Porém, o seu olhar tocava ainda mais profundamente não quando nos mostrava a humanidade de quem não conhecemos, mas quando retratava a alma dos lugares que são nossos. Como aquele episódio em Lisboa, onde Anthony termina sentado num banco qualquer, a comer uma bifana ao som dos Dead Combo. Um retrato fiel da essência da alma lisboeta que só alguém com um coração aberto, com um espírito inquieto, poderia captar.

Hoje recordamos a data da sua partida, mas também a eternidade da sua obra. Anthony Bourdain não foi apenas um cozinheiro ou um viajante curioso. Foi um poeta contemporâneo, um cronista da humanidade, um homem que nos lembrou que o mais importante de cada viagem são sempre as pessoas, os seus olhares, a porta aberta para a sua vida e os momentos instantâneos em que nós fazemos parte delas.

Descansa em paz, Anthony. Continuamos famintos pelo mundo que nos revelaste.

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