António-Pedro Vasconcelos foi defensor de um cinema popular que quis filmar até ao fim
O realizador António-Pedro Vasconcelos, que morreu aos 84 anos, foi um dos principais nomes do cinema português das últimas décadas, grande crítico do modelo de apoio ao setor, considerava-se um dissidente e quis filmar até ao fim.
Nascido em Leiria em 10 de março de 1939, António-Pedro Vasconcelos foi realizador, produtor, crítico e professor, tendo fundado o Centro Português de Cinema, como indica a biografia patente na Academia Portuguesa de Cinema.
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1961, através da qual estudou na Sorbonne, em Paris, começou por trabalhar em publicidade, a que se seguiram os documentários “Exposição de Tapeçaria” (1968) e “Fernando Lopes-Graça” (1971).
Na ficção estreia-se com “Perdido por Cem”, em 1973, que realizou e escreveu, dando início a uma longa carreira de 50 anos com múltiplos títulos populares.
Na lista dos 40 filmes portugueses mais vistos desde 2004 figuram três com a sua realização: “Call Girl”, de 2007, visto por mais de 230 mil espectadores, “A Bela e o Paparazzo”, de 2010, e “Os Gatos Não Têm Vertigens”, de 2014.
Antes da viragem do século, realizou vários filmes que se tornaram em sucessos de bilheteira, como “O Lugar do Morto”, em 1984, ou “Jaime”, de 1999, que foi premiado no Festival de Cinema de San Sebastián, em Espanha.
Vencedor de múltiplos Globos de Ouro e prémios Sophia, em Portugal, foi ainda distinguido em 2020 pela Academia Portuguesa de Cinema com um prémio de carreira.
Escreveu para múltiplas publicações, desde a Colóquio à O Tempo e o Modo, ao Cinéfilo ou, mais recentemente, à revista Visão, entre outras.
Segundo a biografia da Escolas de Atores, onde foi professor de História do Cinema, presidiu ao Grupo de Trabalho do Livro Verde para a Política do Cinema e Audiovisual e dirigiu a Associação Portuguesa de Realizadores e a Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais, assim como o Secretariado Nacional do Audiovisual.
Crítico da política de apoios em Portugal, desencantado com muito do cinema produzido na Europa e com o afastamento do público, o realizador, produtor, crítico e professor disse à Lusa, em 2012, aquando de uma homenagem que lhe foi prestada pelo Fantasporto: “Eu não saí do sítio, eu acho que sou um dissidente, sempre defendi a mesma coisa, sempre defendi os mesmos autores, o mesmo tipo de cinema, sempre”.
“Aquilo que me fez apaixonar pelo cinema na minha adolescência e depois na minha juventude, aquilo que permaneceu, que depois se chamou cinefilia, foi precisamente a minha paixão por esses grandes autores que faziam filmes comoventes e que despertavam toda a espécie de emoções e sentimentos nas pessoas, desde o Chaplin a Hitchcock, passando por Capra, Fellini, Truffaut e até Scorsese”, contou à Lusa.
“Eu mantive-me fiel àquilo que foi a minha paixão de juventude, que foi o cinema que me comove, que me transforma, que é a experiência única de me sentar numa sala de cinema e ser tocado por um filme”, afirmou, em 2012, altura em que nomeou João César Monteiro (1939-2003) como o cineasta mais interessante da sua geração.
Nessa entrevista, António-Pedro Vasconcelos repetiu algo que já vinha a dizer há anos em relação ao cinema nacional: “Afunilou-se num determinado tipo de gosto”, numa herança que já vem do Estado Novo de determinação do “bom gosto” através da atribuição de financiamento.
“É sempre bom que os filmes portugueses tenham prémios lá fora. Percebo que os realizadores premiados estejam felizes com isso, mas nós temos de começar por ter um cinema em que os portugueses se revejam”, disse.
Em 2022, lançou o mais recente título da sua filmografia, “Km 224”, com produção de Paulo Branco, com quem se tinha reconciliado após décadas de afastamento e com quem estava a desenvolver um projeto de adaptação de “Lavagante”, uma obra inacabada do escritor José Cardoso Pires, editada a título póstumo em 2008.
“Eu gosto de fazer filmes para as salas, tenho a noção de que a prazo não direi que está condenado, mas é uma coisa que vai representar muito pouco na economia do cinema. Enquanto eu puder fazer filmes, e enquanto houver salas, vou fazendo, mas deixou de ser a minha prioridade. A coisa que eu mais gosto na vida é filmar com atores, mas se não filmar, farei outra coisa. Gosto muito de escrever e tenho projetos de livros para escrever”, disse à Lusa, em 2022.
A par do cinema, tendo assinado vários êxitos de bilheteira, como “A Bela e o Paparazzo” (2010), António-Pedro Vasconcelos também foi crítico de literatura e cinema, cronista e comentador televisivo, “com forte intervenção cívica”, como escreveu José Jorge Letria no livro de entrevista com o realizador, “Um cineasta condenado a ser livre” (2016).
No comentário televisivo, António-Pedro Vasconcelos, adepto do Benfica, integrou o programa de debate desportivo “Trio d’Ataque”, da RTP, do qual saiu em 2011.
Um dos campos de intervenção foi na Associação Peço a Palavra, que dirigiu, e através da qual que se bateu publicamente contra a privatização da TAP. Também integrou movimentos de defesa do serviço público, como o que existiu em 2012, durante o período da ‘troika’.
Em 1992, foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Mário Soares, para quem tinha feito os tempos de antena.