António Ramalho Eanes: um grande homem
António Ramalho Eanes dá muito poucas entrevistas. Fala quando acha que é absolutamente necessário. Leva à letra a sua responsabilidade perante o país – responsabilidade de quem assumiu ao longo da vida vários combates em que se notabilizou pela coragem física, pela liderança e por fim pelo exemplo de ética e por um outro tipo de coragem hoje em declínio, a coragem moral.
O ex-Presidente da República deu ontem uma entrevista a Fátima Campos Ferreira, na RTP. Ao contrário do que lhe foi proposto decidiu conversar cara a cara nos estúdios, não através de qualquer plataforma vídeo ou protegido na sua casa. Para ele, um líder deve assumir não apenas o que diz, mas também o que faz e a forma como o faz. Para ele era inconcebível não estar no estúdio que, no seu modo de ver, representa as escadarias da Ágora, lugar onde os gregos antigos se reuniam para discutir o bem comum. Ele tinha coisas para dizer ao país e a sua imagem em casa diminuiria aquilo que tinha de ser dito.
O General Eanes disse várias coisas importantes. Mas uma tornou-se incontornável e ajudará a construir mais uma pedra num edifício que ele e Manuela Eanes deixarão como herança. Depois de apelar veementemente aos mais velhos para ficarem em casa, um apelo dito com a gravidade que se impunha, deixou esta frase: “Nós os velhos já passámos por isto e temos de dar o exemplo. Se chegarmos ao hospital temos de ceder o ventilador ao homem que tem mulher e filhos”.
É sempre arrepiante quando vemos alguém com a estatura moral de Ramalho Eanes. Aconteceu o mesmo quando abdicou dos retroativos de uma reforma de general que era sua por direito ou a promoção a marechal que recusou por uma questão de princípio – quantos de nós fariam isso? E quantos de nós, mesmo com a idade de Eanes, estariam disponíveis para oferecer o seu ventilador a uma pessoa ao lado? Porque nem por um segundo deveremos duvidar que António Ramalho Eanes está a falar a sério.
Ele é um grande português. Um dos maiores dos últimos 100 anos.
Quando subiu para o tejadilho de um carro e deu o corpo às balas, em 1975, criou as condições para a normalização democrática.
Enquanto Presidente da República, sendo militar de carreira, foi capaz de criar as condições para que a democracia se cumprisse. Foi também na sua presidência que se evitaram excessos à direita e à esquerda.
Foi depois da sua presidência que decidiu tirar o doutoramento e fê-lo com um enorme sentido de humildade – “o importante é fazer o melhor possível até ao último dia e aprender, aprender sempre” disse-me um dia.
António Ramalho Eanes tem 85 anos. Não será eterno, nenhum de nós o é. Mas há pessoas mais eternas do que outras e ele estará certamente nesse restrito grupo. Foi muito bom escutá-lo ontem. Fiz silêncio durante aqueles minutos, fizemos lá em casa. Um orgulho ser português e poder partilhar o amor pelo país com pessoas como ele. Pessoas maiores que morreriam por mim (e por si) se precisasse de um ventilador.