Artistas Unidos estreiam “Vento forte”, de Jon Fosse, peça com três personagens e muitas vozes
Os Artistas Unidos (AU) estreiam, na quarta-feira, no Teatro Variedades, em Lisboa, “Vento Forte”, de Jon Fosse, uma peça de muitas vozes, desconhecendo-se “o que é ou não real”, definiu-a à agência Lusa o encenador António Simão.
O Homem, a Mulher e o Jovem são as personagens da peça com que os AU regressam ao Nobel da Literatura 2023 e que, à semelhança de outros textos dramáticos do autor norueguês, é constituído por personagens sem nome, que falam como um coletivo.
Sobre o que faz a ação da peça, pouco se sabe exceto que, depois de ter andado na estrada demasiado tempo, o Homem olha pela janela do 14.º andar do apartamento que partilha com a Mulher, insistindo, em várias falas, “que é a sua mulher” e que “são um casal”. E que o Jovem, alegadamente, terá uma relação com a “sua” Mulher.
À semelhança da ação, também o tempo em que decorre é totalmente indefinido, deixando o público na incerteza se decorre no passado, no presente ou no futuro.
Para o encenador António Simão, este terceiro texto dramatúrgico do autor norueguês, escrito depois de uma pausa de dez anos dedicada apenas à prosa, trata-se de um solilóquio ou até “três”, tantos quantas as personagens. “Vento Forte” (2021) sucedeu a “Foi Assim” (2020) e precedeu “Na Floresta Negra lá Dentro” (2023).
“Não sabemos se existem [as personagens], se estão na cabeça dele [o Homem], [não sabemos] o que é real, o que não é real”, precisou, tanto quanto possível, António Simão à Lusa, no final de um ensaio da peça.
Se são fantasmas ou não, se o Homem é um fantasma e a Mulher e o Jovem são reais ou, pelo contrario, se são fantasmas e o Homem é que é real são interrogações deixadas pela peça e enumeradas pelo encenador, que regressa ao universo dramatúrgico do Nobel da literatura.
António Simão “gosta muito” de Jon Fosse, um autor que considera “muito interessante” e ao qual o encenador e intérprete de o Homem regressa menos de dois anos após ter dirigido o monólogo “Foi Assim”, estreado em 14 de março de 2023, no antigo Teatro da Politécnica – a última sala própria da companhia, que continua sem espaço próprio desde julho quando teve de a abandonar por cessação de contrato de arrendamento com Reitoria da Universidade de Lisboa. Protagonizado por José Raposo, “Foi assim” constou das iniciativas com que os AU assinalaram o primeiro ano da morte do ator, encenador e realizador Jorge Silva Melo (1946-2022), fundador da companhia em 1995.
Quanto a “Vento Forte”, António Simão diz ter posto em cena um texto “que não é nada fácil”. O cenário é minimal, fixado num suposto parapeito que dá acesso a uma ampla janela com cinco vidros verticais e uma cadeira que vai sendo manipulada pelos atores.
António Simão disse que, se tivesse feito uma opção cénica “mais realista”, retirava “força ao som e às palavras”, que é o que conta na peça, observou. E é para ela que trabalha – nem para o público, nem para os atores, nem para quem o dirige, mas para o texto, para a peça que tem pormenores que “adora trabalhar” como “os silêncios, as repetições, o minimalismo”.
Num texto em que “aparentemente e à primeira vista, parece que não usa muito vocabulário” e em que as falas “parecem, coisas banais”, como em Harold Pinter, “Vento Forte” é, para António Simão, um exemplo perfeito de “less is more [menos é mais]”.
Até porque, “Vento Forte” é um texto em que predominam “as pausas e os silêncios”, o que no teatro “é quase um preconceito” e “uma coisa cada vez mais rara” na atualidade em que os teatros “estão cada vez mais mecânico-digitais, com muitos apitos e cheios de ruído”.
Num tempo em que a rapidez e a quantidade marcam a atualidade, “Vento Forte” é também “uma reflexão sobre o tempo enquanto construção”, sobre “a linguagem e as determinações que obriga e impõe”, argumentou.
Numa peça “bastante física” para os atores, uma peça “real, de som, de gesticulação de palavra e de movimento”, “Vento Forte” exige uma abordagem meticulosa: “Tem de ser tudo muito preciso; tem de ser cirúrgico”, concluiu Simão, admitindo que, por causa dessas características, a peça podia ser dividida em ‘quadros’.
“Vento Forte” vai estar em cena no Variedades, no Parque Mayer, em Lisboa de 27 de novembro a 22 de dezembro, com récitas de quarta-feira a sábado, às 20:00, e ao domingo pelas 16:00.
Interpretado por Andreia Bento, António Simão e Nuno Gonçalo Rodrigues, o texto tem tradução de Pedro Porto Fernandes.
A cenografia e figurinos são de Rita Lopes Alves, a luz de Pedro Domingos, o som de André Pires e a animação de Daniel Sousa.
Produzida em conjunto pelos AU e pelo Teatro Municipal Joaquim Benite, “Vento Forte” tem apoio ao movimento de Iris Runa. Na assistência de encenação está Diana César.