As marcas, os ‘influencers’, as zonas VIP e os festivais de música para quem quer música
Somos seres que se deixam influenciar e que influenciam outros, é parte do ciclo natural da vida. Somos influenciados a agir de uma determinada forma, a mudar os nossos estilos de vida – por virtude dos tempos dourados de Hollywood, dos cabelos dos jogadores de futebol que são posters modelo nos cabeleireiros dos nossos bairros ou das bandas emblemáticas como os Beatles, entre uma infinidade de exemplos. Antes das redes sociais e da utilização de forma mais eficaz dos algoritmos, as sociedades já se moviam sob a influência de certas entidades públicas (as nossas amadas figuras públicas ou ídolos).
Com o surgimento da internet, a aplicação de algoritmos nas publicidades fez-nos um brainwash dissimulado; e os algorítmicos estão presentes em quase todas as plataformas que utilizamos no quotidiano, incluindo as redes sociais. Só precisamos de pesquisar uma vez um par de meias pretas em plataformas como a Amazon para posteriormente surgirem outros produtos semelhantes. Mas isto, só por si, nos dias de hoje, já não chega!
Aos poucos, começamos a estar cada vez mais atentos e críticos a estas formas de manipulação. Assim, voltamos aos métodos clássicos: a relação entre seres humanos. Por outras palavras, a acção dos influenciadores nas redes sociais. Calma! Só por si, não há qualquer problema com a existência de influenciadores no mundo das redes sociais.
Por exemplo, nos festivais de música, principalmente nos de pequena e média dimensão, obviamente que uma boa campanha publicitária pode ter um papel importante no seu sucesso. Em termos teóricos, tendo um cartaz mais pequeno ou com uma qualidade inferior, comparativamente com os grandes, é normal que sejam feitos acordos, renumerados ou não, com páginas online, jornais, câmaras municipais ou juntas de freguesia e até com influenciadores. Estes últimos conseguem chegar a um maior número de pessoas e de uma forma mais directa a um público jovem, à nova geração de festivaleiros (o público alvo).
O que me incomoda é quando as organizações dos festivais convidam os influenciadores ou elementos da elite nacional, quando já não precisam deles para atrair pessoas. Por um lado, existe uma dependência gigante de uma elite (algo que é muito característico na nossa história) e, por outro, não havendo benefício ao nível das vendas, suponho que única razão para o convite esteja relacionada com a publicitação de marcas. Os nossos festivais são cada vez mais um local onde nós não nos podemos esconder da publicidade de marcas de cerveja, de telemóveis, de marcas carros e de marcas de roupas e acessórios que os próprios influenciadores utilizam e levam para os festivais.
Toda esta palete publicitária, mais evidente ou mais mascarada, vai reestruturando o ambiente e o próprio produto que é transacionável, a música. Somos obrigados, uns mais do que outros, a beber uma água Luso e uma cerveja Sagres, a comprar um CD na Fnac, a marcar uma viagem na banca da TAP, a ver as gamas de carros da Volkswagen e a ver uma variedade de roupas ou de calçado de marcas já bem conhecidas a circular pelo festival. É uma mudança que, em certos casos, acaba por ter também um impacto grande na organização dos recintos, que cada vez têm menos espaço para o festivaleiro poder circular sem ser atropelado.
Um caso evidente para mim da mudança acima apontada foi a última edição do NOS Alive. Com o passe geral e o terceiro dia já esgotados a meses de distância, o objectivo de vender a bilheteira na totalidade estava quase garantido. Mesmo assim, parece que o festival continuou a depender de forma tóxica das elites e também dos influenciadores. Existe cada vez mais a proliferação de zonas VIP. Estas zonas, em alguns festivais, já se situam a meio do recinto para dar uma visão privilegiada do palco principal ou estão localizadas nas front lines. Parece-me que são um claro exemplo de uma sociedade hierarquizada em estratos sociais, em que uns terão sempre mais oportunidades do que outros. Não é algo novo e provavelmente sempre existirá. Mas, como referi anteriormente, têm um impacto que não deve ser ignorado pelo público.
Em alguns casos, os convidados tiram fotos a elas próprios nas zonas VIP (às quais o festivaleiro comum não tem acesso) ou ao longo do recinto durante os dias do festival. De que forma é que vão influenciar as pessoas a irem ao festival? Eu, pessoalmente, tenho como critérios o cartaz e o ambiente do festival. Tento ter em conta estes dois aspectos e, assim, tomo as minhas decisões. Não digo que ninguém seja influenciado por estas pessoas, mas admito que me custa acreditar nisso e considero esta possibilidade bastante ridícula. Será que este nicho de pessoas nos estão a aliciar para usufruirmos, de alguma forma fantasiosa, destas zonas privadas? Ou o verdadeiro objectivo é dar a conhecer essas zonas às elites que, por acaso, ainda não tenham tido oportunidade de as utilizar? Talvez nenhuma das duas e tudo isto seja um jogo criado pelas marcas de roupa que, em vez de terem uma banca no recinto, preferem, através destas pessoas, publicitar os seus produtos.
No que concerne aos festivais, na minha opinião, sempre fomos dos últimos na caça às modas internacionais. Ao mesmo tempo que queremos que os nossos grandes festivais sejam os próximos Coachella portugueses – sendo a moda a próxima big thing, purpurinas à mistura e pequenos parques de entretenimento dentro do recinto -, continuamos a estar dependentes do acto de oferecer bilhetes como quem oferece ramos de árvore numa floresta.
As redes sociais permitiram a criação de uma nova vaga de influenciadores, sendo um tema interessante para um debate sério sobre este mercado de trabalho, que já sofreu rapidamente um boom. Acima de tudo, é importante não nos deixarmos render acriticamente à beleza das coisas novas. É crucial colocarmos em causa as relações de mercado, agora visíveis em eventos culturais. Algumas são bastante questionáveis e outras bastante inteligentes e benéficas para todos, incluindo os festivaleiros. Dentro do mercado propiciado pelas redes sociais, é possível fazer um bom trabalho. É possível ser influenciador de forma profissional e ética, é possível influenciar ganhando dinheiro ou simplesmente como um hobby. Há ideias inovadoras e outras que não acrescentam nada. Não é fácil distinguir quem é influenciador e quem só se influencia a si mesmo. Bem-vindos a um novo mercado que já se propagou para diversos espaços do nosso quotidiano.