“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig: um aconchego em forma de filme

por Espalha-Factos,    28 Janeiro, 2020
“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig: um aconchego em forma de filme
“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig
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As Mulherzinhas, de Louisa May Alcott é, sem dúvida, um dos grandes clássicos literários do século XIX. Publicado pela primeira vez entre 1868 e 1869 em dois volumes, o livro foi adaptado a vários formatos, desde o teatro musical, ao anime e, como não poderia deixar de ser, ao cinema. A mais recente foi levada a cabo por Greta Gerwig, cuja carreira de atriz já se vem consolidando há anos e a de realizadora disparou depois de Lady Bird, que se revelou um sucesso entre o público e os críticos. O filme estreia-se nos cinemas portugueses no dia 31 de janeiro.

A história retrata a vida das irmãs March, todas diferentes, mas sempre unidas, e chega a Portugal a 30 de janeiro. Jo (Saoirse Ronan) é uma jovem revolucionária que pretende sair do paradigma da dona de casa tradicional do século XIX e que sonha em ver os seus textos publicados. Meg (Emma Watson) é a irmã mais velha, equilibrada, dividida entre a adolescência e a vida adulta, enquanto Beth (Eliza Scanlen), a mais delicada e sensível entre as irmãs; e Amy (Florence Pugh), a mais nova, mais imatura e bon-vivant. É uma verdadeira história de coming-of-age, onde as irmãs se vão encontrando e percebendo qual o seu lugar no mundo.

“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig

As Mulherzinhas está nomeado para seis Óscares: Melhor Filme, Melhor Guião Adaptado, Melhor Atriz Principal (Saoirse Ronan), Melhor Atriz Secundária (Florence Pugh), Melhor Banda Sonora Original e Melhor Guarda-Roupa. A grande polémica desta temporada de prémios foi o facto da realizadora, Greta Gerwig, não ter sido nomeada para a categoria de Melhor Realizador, visto que a categoria de Melhor Filme e Melhor Realizador tendem a complementar-se. Para além das nomeações, o filme contém, ainda, um elenco recheado de estrelas como Laura Dern, Meryl Streep, Bob Odenkirk, Timothée Chalamet e Louis Garrel.

Um novo modo de contar a mesma história

Talvez uma das maiores dificuldades de contar uma história que já foi retratada tantas vezes e nos mais variados formatos é não torná-la demasiado óbvia ou repetitiva. Neste sentido, Greta Gerwig revela-se ágil – consegue esquivar-se lindamente dos obstáculos, dando uso a novas formas narrativas para não cair nos clichés. Em vez de seguir a linearidade temporal do livro, replicada em várias adaptações, Gerwig opta por contar a história através de saltos temporais, alternando entre 1868 e 1861. A justaposição do presente e passado poderia ter corrido mal mas, felizmente, a delineação entre os dois blocos temporais é facilmente identificada. Os tons quentes destacam-se no passado, os mais frios quando se fala do presente, e o guarda-roupa e penteados mostram, de maneira clara, a progressão temporal.

“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig

A química entre as irmãs é inegável e todos os momentos em que as quatro contracenam são os mais divertidos de todo o filme. Um dos grandes responsáveis por isto tem que ver com a utilização do som, que acaba por ser uma das ferramentas narrativas mais potentes. Em vários momentos, temos as irmãs na mesma sala, a falarem umas por cima das outras. O que poderia transformar-se em confusão torna-se antes em familiaridade e aconchego. “Estamos sempre a falar umas por cima das outras” e  “isto cria uma sinfonia de sons“, comentam Florence Pugh e Emma Watson no vídeo de Behind the Scenes onde, logo a a seguir, vemos Gerwig: “Isto tem um ritmo, não pode ser ‘à toa’”. 

A humanização das personagens é outra das características mais bem sucedidas do filme. Não há vilões nem heróis e, apesar de ser Jo a liderar o rumo da história, nenhuma das outras personagens é deixada para trás – todas as suas motivações, sonhos e defeitos são explorados, todos têm um lado bom e outro menos bom, e é isso que os torna humanos.

“As Mulherzinhas”, de Greta Gerwig

As falhas que o filme apresenta são praticamente microscópicas. O filme passa-se em Massachussetts, nos Estados Unidos da América, mas o sotaque das atrizes fica aquém do esperado e a única que realmente acerta em cheio é Florence Pugh. Isto talvez se dê pelo facto de que nenhuma das atrizes cresceu nos EUA. Saoirse Ronan nasceu em Bronx, Nova Iorque mas cresceu na Irlanda, Emma Watson e Florence Pugh são britânicas e Eliza Scanlen é australiana.

O filme acaba por abordar, sobretudo, o empoderamento feminino numa altura em que uma mulher sustentar-se a si própria era impensável. Composto por um elenco maioritariamente feminino, explora estas temáticas com uma abordagem apaixonada. Louva a escritora, a artista, a mãe dona-de-casa, dando sempre a lição de que nenhuma mulher é menos que outra pelo rumo que leva (as críticas são sempre feitas pela tradicional Tia March, uma “solteirona” que, como deixa claro, só pode ter esse estatuto por ser rica).

As Mulherzinhas é um filme acolhedor, uma reviravolta agradável daquilo que costumam ser os drama de época, normalmente mais pesados. As atuações são perfeitas, e cada uma das quatro atrizes encaixa-se perfeitamente na personagem de cada uma. Ao longo do filme, suscita-se a dúvida se o final será igual ao do livro, devido ao toque especialmente contra-corrente que Jo manifesta mas, neste sentido, ele mantém-se fiel. É um filme sobre tudo o que é intrínseco ao ser humano – amor familiar, amor romântico, luto, guerra, tristeza e felicidade. As Mulherzinhas é aconchego em forma de filme.

Este texto foi escrito por kenia Sampaio Nunes e foi originalmente publicada em Espalha Factos.

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