‘As Raparigas’, de Emma Cline, e o fascínio pelos mistérios do culto e da solidão

por Cátia Vieira,    13 Março, 2017
‘As Raparigas’, de Emma Cline, e o fascínio pelos mistérios do culto e da solidão

1969 e a Califórnia. Com este mote, somos redirecionados imediatamente para uma ode à liberdade e à libertação, ecos de um tempo de autodescoberta, de emancipação e de sensualidade. Contudo, Emma Cline, em As Raparigas (The Girls, em inglês), não recupera o espírito livre, fundado em amor da geração hippie, mas sim a obscuridade e a brutalidade dum grupo de culto, que ficaria amplamente conhecido pelo seu líder e pelos crimes violentos perpetrados: Charles Mason, na obra introduzido como Russell Hadrick.

No despontar do verão, Evie Boyd, uma jovem de 14 anos, observa um grupo de raparigas num parque. A liberdade, a espontaneidade e a imprudência delas desnudam a solidão, a carência e as inseguranças da protagonista, que aguarda pacientemente a sua admissão num colégio interno.

Voltariam a cruzar-se, avolumando-se o fascínio e a atração pelo universo desta galeria feminina selvagem e irrefletida. Lentamente, Evie afasta-se das amizades vácuas e regulares, representadas ao expoente na sua ligação com Connie, para se agregar ao novo grupo, liderado pelo egocêntrico Russell Hadrick. Confrontadas com o egotismo do líder e fundador, as raparigas não têm lugar para ser, espaço para uma identidade. Assim, a liberdade e a autenticidade configuram-se como um manto ilusório, que serve os caprichos de Hadrick. Mas é no rancho que Evie descobre a sua sexualidade e o perigo, abandonando paulatinamente as figuras familiares e a sua rotina. Ainda que tente penetrar no grupo – como se pertencer significasse ser –, as inseguranças e os medos tendem a imperar na narrativa.

Este é o primeiro romance da norte-americana Emma Cline, que tem espoletado uma agitação no universo literário. É que, com apenas 28 anos, a escritora provocou uma licitação cerrada entre o mundo editorial, tendo assinado um contrato com a prestigiada Random House de dois milhões de dólares e estando a sua obra já presente em mais de 35 países.

Parece-nos que o universo do culto e aqueles que o instigam tendem a seduzir o público. Assim, a recuperação de um dos mais célebres e violentos criminosos de todos os tempos assume-se como um dos aspetos mais aliciantes da narrativa. Lembramos que Charles Mason e o seu grupo foram condenados por vários assassinatos nos Estados Unidos da América, no final da década de 60, destacando-se o da atriz Sharon Tate, que se encontrava grávida de oito meses, esposa do famoso cineasta Roman Polanski. Ainda que Mason tenha sido condenado à morte em 1971, a pena terá sido transformada em prisão perpétua, que é cumprida atualmente na Penitenciária Estadual de Corcoran, na Califórnia.

Ademais, a obra norte-americana carrega um forte viés imagético, tornando-se fácil e até inevitável imaginar as palavras de Cline no mundo cinematográfico. Scott Rudin – produtor de filmes como Moonrise Kingdom e The Social Network – antecipou esse potencial e terá já adquirido os direitos.

Porém, será que a retoma da figura incontornável do universo do culto justifica As Raparigas? A nosso ver, a escrita de Cline peca num excesso, mimando demasiado as palavras, retirando-lhe a intensidade e a significação em consequência. Além disso, a autora apresenta-nos uma ação secundária, na qual narra o quadro experiencial de uma Evie mais velha e madura. A ausência de substância acaba por não legitimar a presença desta mesma ação. Sobretudo, e perante uma protagonista um tanto desinteressante, perguntamo-nos: de onde vem e para onde vai este livro?

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