‘As Vinhas da Ira’ de John Steinbeck e a sua intemporalidade

por Miguel Fernandes Duarte,    15 Abril, 2016
‘As Vinhas da Ira’ de John Steinbeck e a sua intemporalidade
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“If he needs a million acres to make him feel rich, seems to me he needs it ‘cause he feels awful poor inside hisself, and if he’s poor in hisself, there ain’t no million acres gonna make him feel rich, an’ maybe he’s disappointed that nothin’ he can do ‘ll make him feel rich.” 

Diversos livros continuam actuais passadas várias décadas da sua publicação. Tal facto costuma, até, ser uma das características pela qual se mede a qualidade de um livro, a sua intemporalidade. Se dissessem a John Steinbeck, aquando da publicação de As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, no seu título original), que este estaria, no dia em que se comemoram os 77 anos do seu lançamento original, mais actual que nunca, provavelmente a reacção do escritor americano seria de apatia, motivada por uma desilusão acerca do percurso humano. Isto porque Steinbeck, ao mesmo tempo que pintava este retrato agreste da realidade, acreditava que a união daqueles que sofriam destas condições pudesse, pelo menos em parte, resolver tais problemas.

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As Vinhas da Ira conta a história da família Joad, em particular de Tom Joad, acabado de sair em liberdade condicional, à medida que esta parte do Oklahoma em direcção à Califórnia. O sonho Americano, neste caso através de uma migração interna, alimenta a esperança daqueles que se vêm forçados, com a Grande Depressão de 1929, a deixar para trás as suas quintas. Juntando as fracas condições económicas da época à seca e às tempestades de areia que arruinaram as suas plantações, os agricultores são incapazes de pagar os seus empréstimos aos bancos e perdem as suas casas e bens. Uma migração desesperada de toda uma camada da população que, assim, perde os seus empregos, o seu sustento, a sua estabilidade, e se vê forçada a deixar tudo para trás e partir em busca de algo melhor, uma Califórnia que lhes é apontada como oásis.

Pelo caminho as estradas enchem-se com migrantes, famílias na mesma situação que os Joad, todos em carros atrás uns dos outros na Route 66, qual fuga de Moisés em direcção à Terra Prometida. Mas, infelizmente, neste caso ela é idêntica ao Egipto de onde fogem. Chegando à Califórnia, o que encontram são tantas pessoas como eles (às que já lá se encontravam vêm juntar-se os que com eles vinham nas estradas) que o trabalho que existe é diminuto e precário. Há tanta oferta de trabalhadores que os patrões pagam o mínimo possível. Em condições como estas haverá sempre alguém mais desesperado a aceitar o trabalho que não queremos aceitar. O conluio por interesses próprios das grandes latifundiárias impede a situação de ser resolvida e com isto sofrem as pequenas quintas, ao ver os preços cair a pique, e os trabalhadores, que são explorados até onde der.

No fundo, este é mais um retrato do sonho americano estilhaçado. Algo do qual, aliás, foi acusado por vários meios de comunicações e associações como a dos grandes agricultores, que tentaram colar ao livro uma imagem de falsidade e de quebra de esperança. Mas isso não impediu Steinbeck de agarrar, com este livro, o Pulitzer e, mais tarde, em 1962, o Nobel, por ter juntado, à qualidade literária e narrativa, os desastres sociais da época. O neo-realismo patente nesta obra do cânone Americano.

Trailer da adaptação ao cinema realizada por John Ford e com Henry Fonda no papel de Tom Joad.

Deste cânone, destacam-se os Great American Novels, tidos como romances que ilustram a cultura e a vida da América (ou de uma parte dela), num determinado tempo da sua história. As Vinhas da Ira é considerado um destes romances, mas é também, mais que um retrato de um tempo e espaço confinados, uma enorme representação daquilo que é, infelizmente, o mundo. Tais injustiças continuam a ser recorrentes, tais manipulações do trabalho individual de cada um continuam a existir, causando enormes explorações feitas por grandes corporações multinacionais, mas também por outras menos grandes que se vêm obrigadas a fazê-lo como meio de sobrevivência. Famílias vêm-se obrigadas a voltar-se para o interior do país, numa tentativa de retirar da terra aquilo que não podem comprar com o dinheiro que não recebem. O início do período profissional de cada um está, nos dias de hoje, indiferenciável de estágios não ou mal remunerados que são publicitados como uma maravilhosa oportunidade de ganhar experiência quando não passam de exploração. Ficando sem outra opção que não aceitar ou emigrar, somos coagidos a entrar neste esquema. Nessas alturas a nossa situação não é assim tão diferente daquela pela qual passou a família Joad.

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