‘Axilas’: o filme de Fonseca e Costa que Paulo Branco proibiu aos críticos do Público
O Público informou ontem que um dos seus críticos foi impedido de assistir ao visionamento para a imprensa de ‘Axilas’, mas não é isso que Fonseca e Costa quereria – ele que sempre lutou pela liberdade de pensamento – nem o que ‘Axilas’ merece. O filme é para ser visto, e nós, ao contrário do Público, tivemos a sorte e possibilidade de o ver. “Desapossados é que estamos livres para caminhar”, refere um poema de Alexandre O’Neill referido no filme que é dedicado ao poeta lisboeta. Pois então caminhemos agora livres, de censura ou objecção, em direcção ao cinema para ver ‘Axilas’, esta última obra de Fonseca e Costa.
Em “Axilas”, o filme póstumo do cineasta José Fonseca e Costa, este despede-se com um olhar jocoso, irónico mas sempre, sempre bem disposto – mesmo quando aborda, por ironia do malvado destino, a morte – de uma Lisboa que será eternamente a menina dos seus olhos e o seu espaço fílmico por natureza, sua e dela.
Não tendo, por força da morte, tido o tempo para completar mais do que dois terços do filme, foi Paulo Milhomens que ajudou a que o mesmo tivesse um final.
Baseado num conto do brasileiro Rubem Fonseca, trabalhado por Mário Botequilha em conjunto com Fonseca e Costa para o tornar num guião, “Axilas” é uma ode à cidade de Lisboa e aos seus espaços mais típicos e um olhar irónico sobre as suas gentes, os seus credos, religiões, interesses, namoros, falcatruas, um sem número de actividades tão nossas, tão latinas.
Nela, Lázaro de Jesus (Pedro Lacerda), mal criado por uma senhora que trata por avó, herdeira de grande fortuna e também ela religiosa dos pés à cabeça (sempre com este aspecto religioso em foco por parte do cineasta, um “ateu praticante” que olhava de forma irónica para o exagero religioso) fica obcecado por uma bela violinista Maria Pia, mas mais propriamente pela sua bela, escondida e tímida axila. Uma fixação absurda e interesse insólito que vai terminar um final inesperado.
Interpretações caricaturescas que não devem por isso ser alvo de critica desmesurada senão passível de ser injusta, o filme conta além de Pedro Lacerda com nomes como Margarida Marinho, Elisa Lisboa, José Raposo, André Gomes, Fernando Ferrão ou Maria da Rocha no seu elenco.
Em palavras belas, poéticas (não viessem de obras e peças literárias), desavergonhadas quanto baste, que não pedem licença e revelam uma intromissão bem disposta e descomplexada. Entramos por uma típica tasca, passeamos à beira do Tejo ali de mãos dadas com Belém por entre galanteio, sem jeito mas com trejeito. “É camaradagem, ou aragem de cama?”
Um dos grandes nomes do Novo Cinema Português, cineasta anti-regime ditatorial, fiel a si mesmo e ao seu cinema de autor, sempre tentou – e foi conseguindo – com maior ou menor sucesso, que as histórias que contava tivessem de facto público para as ver e ouvir tendo sido dos poucos a manter um equilíbrio entre os resultados de bilheteira e a qualidade do seu cinema. Foi fazendo os possíveis para tornar Lisboa mais alegre.
Saudoso o cinema de Fonseca e Costa que preza a originalidade mesmo quando com ela poderia ter um retumbante revés para si. Era assim Fonseca e Costa, não queria repisar um pátio de cantigas já cantadas, queria sim um cantar novo, um cantar irrequieto; mal ou bem o seu próprio cantar. Mal ou bem, menos “pátios” e mais ‘Axilas’ no nosso cinema. Mal, não bem, é que já não podemos contar com Fonseca e Costa pois esta foi a última história que nos conseguiu contar.
O filme estreia na próxima quinta-feira nos cinemas portugueses e tem carimbo da Leopardo Filmes.