“Balas e Bolinhos: Só Mais Uma Coisa”, uma agradável deceção

por Cronista convidado,    22 Agosto, 2024
“Balas e Bolinhos: Só Mais Uma Coisa”, uma agradável deceção
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Este artigo pode conter spoilers.

Better Call Saul e Balas e Bolinhos têm, à partida, pouquíssimos aspetos em comum, podem parecer universos completamente distintos, mas, na realidade, são bem mais próximos do que aparentam.

Deixemos, no entanto, esta ideia de parte, pelo menos por agora.

Na passada quinta-feira, 15 de Agosto, assisti à estreia de Balas e Bolinhos: Só Mais Uma Coisa. O filme já havia triunfado mesmo antes do desenrolar da bobine: uma sala repleta aguardava a escuridão que toma conta do auditório e que indica que o filme está prestes a começar. Todos sentíamos que estávamos ali para o mesmo: perceber o que Rato, Tone, Kulatra e Bino andaram a fazer nos últimos tempos.

O filme não é perfeito, longe disso, mas a saga portuguesa nunca foi sobre perfeição. Nunca foi sobre ser-se do Norte, embora estejam fortemente presentes os sotaques e gírias dessa região. Nunca foi sobre uma realidade suburbana, embora essa realidade seja pincelada no filme de forma primorosa, despretensiosa e audaz. Nunca foi sobre ser-se português. Foi sempre sobre uma característica intrínseca à condição humana: o ser-se desenrascado para, de alguma forma, ousar sucesso e reconhecimento. E não há imperfeição mais perfeita que essa.

É neste ponto em que julgo que Better Call Saul e Balas e Bolinhos são muito próximos: são histórias sobre “espertalhões” que procuram sucesso fácil através de esquemas duvidosos.

Balas e Bolinhos: Só Mais Uma Coisa não é o melhor filme da saga: de um modo geral, segue vários clichês, existe uma descontextualização da narrativa e descaracterização das personagens principais. Visitamos o passado dos protagonistas e privamos com os seus familiares até aqui desconhecidos. Embora tenha sido tomada esta opção, sobra a sensação de que este trilho levanta mais questões do que aquelas que realmente existiam. O foco passa por introduzir novas personagens, remetendo a história para as origens da saga: percebemos em que contexto se insere cada protagonista e conhecemos alguns dos seus familiares (Irmão de Rato, Pai de Kulatra, Mãe de Bino), no entanto, isto conduz, a meu ver, a uma despersonalização dos nossos “heróis”. Esta atual configuração não é condizente com a ideia que fomos construindo dos protagonistas nos filmes anteriores. Em alguns casos, como o de Kulatra, pode até revelar-se antagónico.

A frequente deambulação entre o realismo e uma nova camada transcendental torna a película confusa, caótica e menos credível, deixando pontas soltas.

Todos estes aspetos resultam num intervalo de descontinuidade do anterior filme da saga até este. Mas não é esse o diagnóstico que me traz aqui.

Encantámo-nos com Balas e Bolinhos por causa dos planos e maroscas invariavelmente desastrosas, mostrando o lado mais ridículo e anárquico do crime. Da mesma forma, a série Better Call Saul, satiriza essa desorganização, onde nem tudo corre como esperado, conduzindo a consequências sérias, embora frequentemente irónicas.

Ambos os universos partilham uma visão cínica, mas realista sobre as consequências das ações humanas. Os fracassos constantes carregam um riso amargo, porque sabemos que tanto Saul Goodman como Rato, Tone, Kulatra e Bino estão condenados a uma espiral de derrotas, desgraças e frustrações: são absorvidos por uma ambição desmedida que os leva a naufragar em esquemas dúbios e dilemas morais, vítimas da própria ganância e fraqueza. São histórias sobre decisões erradas, sobre sucessos efémeros e quedas iminentes, que mostram que a tragédia pode ser humor: é nesta fusão entre humor e tragédia que as duas obras, embora as muitas diferenças, encontram terreno comum.

Além disso, as influências de parte a parte são notórias. Ou pelo menos, as coincidências.

Em Balas e Bolinhos: O Último Capítulo, de 2012, numa das mais célebres cenas do filme, vemos os protagonistas perdidos no deserto, sob o peso ardente do sol, até que Rato se vê obrigado a ecoar a icónica frase: “Mija-me, Tone”.

Também no episódio 8 da 5.ª temporada de Better Call Saul (2020), Saul Goodman e Mike Ehrmantraut perdem-se no deserto e, sob as mesmas circunstâncias dos heróis de Balas e Bolinhos, Saul vê-se obrigado e beber da própria urina. Não obstante esta enorme coincidência, não deixa de ser engraçado que os autores das duas obras tenham optado pela mesma circunstância narrativa.
Mas, no sentido oposto, percebe-se que Better Call Saul poderá ter tido uma enorme influência no novo Balas e Bolinhos, no que concerne à cinematografia, pela escolha de planos, das paletas de cores e pelos cenários caseiros.

O quarto filme da saga Balas e Bolinhos é engraçado, mas não era imprescindível. É, no entanto, uma agradável deceção: um retrato fiel sobre ser-se desenrascado, um reflexo sincero da natureza humana.

Crónica de Eduardo Monteiro Moreira. 

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