Benção a homossexuais pela Igreja Católica vai aumentar pressão contra a comunidade LGBT em África, afirma responsável da ILGA Pan-Africana
Um responsável da ILGA Pan-Africana disse à Lusa que a defesa pelo papa da bênção de casais homossexuais pela Igreja Católica vai resultar numa pressão mais intensa sobre a comunidade LGBTI no continente africano.
Ou seja, “aumentará o escrutínio” dos movimentos anti-gays em África, que “exercerão uma pressão mais forte contra a comunidade LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans]”, afirmou o líder do projeto de desenvolvimento e implementação da estratégia de defesa jurídica da ILGA Pan-Africana.
“Para as pessoas católicas com algumas dúvidas, o facto de a Igreja dizer publicamente que ‘embora não vos aceitemos totalmente, aceitamos-vos de alguma forma’ dá um empurrãozinho para que olhem realmente para o significado da religião, [ajudando a que] os casais do mesmo sexo sejam aceites no continente”, disse Robert Akoto Amoafo.
Em contrapartida, acrescentou o ativista africano, “provoca também uma reação muito negativa” no continente a posição assumida pelo papa Francisco em 18 de dezembro no “Fiducia Supplicans”, o texto publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé, no qual se explica que a bênção da Igreja é extensa aos casais considerados “irregulares” pela Igreja, incluindo os casais do mesmo sexo.
“Qualquer menção de apoio a casais do mesmo sexo ou a atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo por parte do Ocidente resulta sempre em algum tipo de escrutínio sobre a comunidade LGBT”, sublinhou.
A posição assumida pelo papa, “aumentará o escrutínio dos movimentos anti-género e anti-direitos, que passarão a olhar para o assunto com mais atenção e, possivelmente, exercerão uma pressão mais forte contra a comunidade LGBT no continente”, concretizou o responsável da Associação ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo Pan-Africana.
Robert Amoafo reconhece que a posição assumida no “Fiducia Supplicans” permite “pensar na possibilidade de a Igreja Católica reconhecer os casais homossexuais e, no caso de África, desafia o mito de que a religião é explicitamente contra os casais do mesmo sexo”, o que “ajuda muito a desafiar as mentalidades”.
No entanto, fez questão de “deixar claro” que, “quando os bispos católicos e o papa dizem estas coisas, é importante que o façam com ações, não basta dizê-lo e deixar tudo igual; é preciso que o façam com ações, certificando-se de que as igrejas nas várias partes do mundo estão a fazer algo a esse respeito”, disse.
Os bispos, padres e pastores africanos – sublinhou o responsável da ILGA – “utilizaram sempre a religião para passar a narrativa negativa” contra a comunidade LGBT e o efeito positivo que esta posição assumida por Roma pode ter em África enfrenta ainda outro preconceito: provém de “alguém do Ocidente”.
Na opinião de Amoafo, tem um efeito mais profundo e significativo numa comunidade específica uma tomada de posição de abertura como a assumida em novembro último por Peter Turkson, o único cardeal do Gana, contra criminalização das pessoas LGBT, que o parlamento do país se prepara para aprovar em março.
“Esta declaração abalou as comunidades no Gana e teve impacto nos deputados ganeses, porque puderam relacionar-se com quem estava a fazer a declaração e, apesar de a pessoa não ser o chefe da Igreja Católica, o facto de terem uma ligação a essa pessoa, como africano ou negro, que a torna mais recetiva, leva as pessoas a olharem para o assunto de uma perspetiva diferente”, explicou o ativista.
O Gana prepara-se para votar uma lei que criminaliza com pena de prisão até três anos as pessoas identificadas como LGBT e com até 10 anos as pessoas que fizerem campanha pelos direitos LGBT. A pratica sexual consentida entre pessoas do mesmo sexo já é punida com penas de prisão até três anos.
Em agosto do ano passado, numa declaração emitida em conjunto com vários grupos cristãos importantes no país, os bispos ganeses declararam que os países ocidentais devem “parar com as tentativas incessantes de impor valores culturais estrangeiros inaceitáveis”, segundo o jornal ganês Catholic Herald.
É para esta realidade que Amoafo chama a atenção. “As pessoas já têm na sua mente a influência ocidental da homossexualidade no continente”, “é sempre importante percebermos o ângulo das afirmações e de quem vem”, afirmou.
Para além do Gana, o ativista aponta outros países “que se tornaram populares” em relação à criminalização das práticas homossexuais, um grupo liderado pelo Uganda.
O parlamento do Uganda aprovou em maio de 2023 uma lei que propõe a prisão perpétua para qualquer pessoa condenada por homossexualidade e a pena de morte para os chamados casos agravados, que incluem relações sexuais homossexuais com alguém com menos de 18 anos ou quando alguém fica infetado com uma doença para toda a vida, como o VIH.
O Quénia está a discutir o “projeto de lei sobre os valores da família”. “É outro regime que está a regredir, especialmente no que se refere à proteção dos direitos humanos das pessoas LGBT”, e são ainda públicas “muitas conversas na Tanzânia, onde os deputados disseram abertamente que as pessoas LGBT deviam ser mortas”, sublinhou o ativista da ILGA Pan-Africana.
No outro lado do espetro legal, Robert Amoafo destacou um conjunto de cinco países que progridem para regimes legais mais positivos, entre os quais a África do Sul – o único no continente que permite o casamento homossexual -, Madagáscar, Maurícias, e entre os lusófonos, Angola e Moçambique.
“Trata-se de uma tendência? Algo em grande escala? Não. É tudo muito, muito lento, e não há pressão para uma maior descriminalização, especialmente nos países anglófonos, onde há pura criminalização”, afirmou.