Benjamin Clementine, o senhor extraterrestre com “saudades” da casa portuguesa
Benjamin Clementine não deixa tempo aos portugueses para sentirem a sua falta, mas às últimas notas de “Phantom of Aleppoville”, num Coliseu do Porto rendido àquela voz que não conhece limites, falou pela última vez em português para admitir que vai “ter saudades”. O Porto foi a sua casa na última data da tour “Uma Noite com Benjamin Clementine e o seu Quinteto de Cordas Parisiense” por Portugal.
Beaven Waller fez as honras de uma noite emoldurada a piano. O teatral músico do Texas – “desculpem-me por isso” – não poupa elogios à cidade que visita pela primeira vez: “o Porto é tudo o que eu imaginei que a Europa fosse”. Antes de seguir para uma homenagem a Bowie, conta e representa, aos saltos pelo palco, a história de um macaco que tudo o que quer fazer é tocar num passarinho que pousa no seu ramo. “Ele vai, devagarinho… E, finalmente, toca no pássaro…” – segue-se um momento de suspense, enquanto o público eleva o olhar em jeito infantil, à espera do desfecho – “e o pássaro voa”. E o resto? É a pergunta que parece pairar nos rostos. Waller sorri e volta ao piano, como que a adivinhar a moral da história nas teclas.
As luzes pintam a música de cada cor presente no excêntrico fato de Waller; a voz solta e desmedida do pianista americano deixa-nos preparados para o protagonista da noite.
Com a deixa perfeita, mais valia Benjamin Clementine entrar de repente pelo palco adentro. Mas cada par de mãos naquele Coliseu teve ainda que bater por mais quinze minutos até o londrino subir ao palco, descalço e de veste branca. É pelo mais simples dos trajes que se percebe que a imponência de Benjamin Clementine não é trabalho de produção. Os quase dois metros de altura tornam-na natural, mas quem o ouve e vê a flutuar pelo palco e pelo piano percebe o carácter fora deste mundo do músico das “costas da Europa”.
Ao longo de um alinhamento de duração similar a um dos seus álbuns, o alien with extra ability a que estamos já tão habituados deu-nos motivos para nos arrepiarmos entre At Least For Now, de 2014, e I Tell a Fly¸ de 2017, os dois de três álbuns de Clementine – o músico garante que o vindouro encerra o curto, mas rico, repertório.
“Winston Churchill’s Boy” deu o mote a uma noite repleta de mensagens fortes em som igualmente marcante. O piano tropeça nas palavras mais faladas que cantadas de Benjamin, no tema que abre o seu primeiro álbum. Enquanto o contrabaixo corre, Clementine faz o mesmo, traçando círculos à volta do piano e do quinteto de cordas, a sua companhia para esta série de sete concertos em território português – nenhum deles em Lisboa. A próxima subida ao palco está marcada para novembro, no Luxemburgo.
Uma ovação só se costuma esperar no final do concerto, e só a há se for mesmo dos bons; Benjamin recebe logo uma à quarta linha da setlist. O coro coletivo de “Condolence”, tal como entoou, há dois anos, no grande auditório natural do Festival Paredes de Coura, fez parar o relógio em voltas constantes ao refrão, impulsionado pelo maestro em palco e repetido por cada voz do Coliseu: “I’m sending my condolence to fear / I’m sending my condolence to insecurity”. “Vá lá, só mais vinte vezes!”, brincou Benjamin, mas o certo é que o público obedeceu até restarem as palmas, em pé.
“London”, “Cornerstone”, “Nemesis”, “Gone” e “Adiós” escaparam à ovação, mas não ao arrepio. Os do violoncelo, dos violinos e do contrabaixo ajudaram a encher a sala de um silêncio atento ao que se passava no palco. O que a todos os ouvidos chegava só nos lábios de alguns se conseguia identificar. Já da garganta de Benjamin Clementine explodia a voz polivalente a moldar as letras duras, mas delicadamente colocadas ao dedilhar sem esforço de cada tecla.
Depois de uma viagem pela discografia deste tão enigmático quanto poderoso extraterrestre musical, o público volta a chamá-lo em gritos e palmas para a sôfrega despedida de “Farewell Sonata” – esta noite, dupla.
Benjamin Clementine disse certa vez que o sentimento que retirava do público português era muito próximo ao que tenta sempre provocar e nem sempre consegue. A partir desta noite, passamos mesmo a ser um dos dele: “aliens of Portugal, vou ter saudades”.