Bertrand Russell, o pensador lógico da sociedade

por Lucas Brandão,    17 Maio, 2016
Bertrand Russell, o pensador lógico da sociedade
Bertrand Russel / DR
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Bertrand Russell foi um dos grandes nomes intelectuais do século XX, cultivando uma larga e vasta propriedade de ideias e de crenças. Influente tanto nas ciências sociais como nas naturais, o britânico, de origens aristocráticas, militou também pela filosofia e pela política, onde se revelou um intenso e ardente ativista social e um problematizador de nomeada. Não obstante a controvérsia a si associada, recebeu um Nobel relativo ao seu trabalho literário, sendo este fundamentado com a luta constante pela liberdade do pensamento e pela afirmação dos ideais humanitários. Foi nesta senda de enorme produtividade motivada por uma ebulição mental constante que Bertrand Russell cimentou um legado rico em diversificação e em personalização.

Bertrand Arthur William Russell nasceu a 18 de maio de 1872 em plena era vitoriana, uma fase de grande prosperidade e estabilidade no Reino Unido, afirmando-se esta como a potência proeminente num contexto mundial então. Neto de um ex-primeiro ministro (Lord John Russell), a sua educação foi bastante indiferenciada. Os seus pais faleceram precocemente e foram os seus avós que, de uma forma bem vitoriana, lhe apetrecharam para um mundo repleto de desafios e de questões sem respostas. Tentando alhear-se do contexto aristocrata no qual estava inserido, o britânico ingressou, aos 18 anos, na Universidade de Cambridge, onde estudou Filosofia. Como pacifista, recusou alistar-se para ser parte do exército inglês na Primeira Guerra Mundial, o que lhe valeu a perda da cátedra do Trinity College. Nessa fase, Russell deu largas às asas do seu espírito e viajou para leste, visitando Rússia e até lecionando filosofia em Pequim, na China. Foi também lendo e tentando expandir os seus horizontes, compreendendo a Matemática e a Física e até articulando a primeira com a Filosofia numa obra em 1910 denominada “Introdução à Filosofia da Matemática”, aludindo ao ramo da Lógica. Em 1939, e tendo casado por três vezes, o britânico moveu-se de malas e bagagens para a Califórnia, onde foi exercer as competências de professor universitário. No entanto, a sua afirmação no país não foi isenta de atribulações, acabando criticado por opiniões secularistas e ateístas. Contudo, o seu prestígio não foi beliscado, acabando mesmo por ser um dos rostos do movimento pacifista Pugwash, ao lado do conotado cientista Albert Einstein, movimento esse destinado à luta contra a propagação de armas nucleares.

A sua filosofia foi uma das mais influentes do século XX, ombreando com nomes como Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger ou Michel Foucault, embora pese a sua perceção mais cientifizada. A sua linha de pensamento pode ser enquadrada na Filosofia Analítica, em que a linguagem e a sua análise são as linhas definidoras. Nesta linguagem enquadra-se a supramencionada Lógica, esta que poderia, de acordo com o europeu, fundamentar todos os conceitos dados como verdadeiros a partir de primitivos operadores lógicos. Entre outras ideias de destaque, ressalvam-se a restrição do campo de análise da lógica para as frases declarativas, a clarificação das descrições definidas (quantificadoras ou existenciais) num sentido linguístico e a criação de algumas teorias do conhecimento. Estas teorias desdobram-se essencialmente em duas, em que, de um lado, estaria o conhecimento direito e, no seu oposto, o conhecimento por descrição. Enquanto o primeiro consistiria no facto propriamente dito, já o segundo ilustra o resultado de uma relação estabelecida através de conceitos lógicos entre dois ou mais objetos. Outra das propostas mais relevantes feitas elo inglês foi a da ética ecocêntrica, esta que, como o prefixo indica, se refere à natureza e à sua importância. Em contraste com o antropocentrismo, que coloca o homem como figura central e a natureza como submissa aos seus interesses, o ecocentrismo considera a natureza como o núcleo do planeta e o homem como seu constituinte. Duas premissas caraterizam esta visão, sendo elas o direito à vida de todos os seres que fazem parte do meio natural e a impossibilidade de preservar a espécie humana em caso de destruição do mesmo, delegando nesta a responsabilidade de definir o rumo por ser a única consciente e pela sua leviandade no passado.

A matemática é a única ciência exacta em que nunca se sabe do que se está a falar nem se aquilo que se diz é verdadeiro.

Bertrand Russell e a matemática

Numa perspetiva política, Bertrand Russell possuiu um núcleo duro de ideais que foi alimentando consoante a sua vida se desenrolava. Reforçando a sua posição pacifista nas diversas convulsões que assolaram o seu tempo, não se coibiu de criticar construtivamente as propostas políticas de então, tais como o sindicalismo, o socialismo e até o anarquismo. Na sua obra “Roads to Freedom: Socialism, Anarchism and Syndicalism” (1918), o autor não hesita em colocar os seus preceitos lógicos e matemáticos ao serviço da sociedade e da discussão da melhor orientação possível. Noutras produções avulsas, o britânico reforça a necessidade de valores como a justiça social, a liberdade individual e apela à mínima opressão possível, permitindo ao Estado voltar-se para os assuntos financeiros e políticos que devem dominar o seu quotidiano. Advoga, desta feita, um socialismo de guilda e algumas propostas anarquistas, como o “salário de ócio”. Nunca se mostrou acanhado na hora de comunicar com líderes de estado acerca de decisões mais ou menos impertinentes. Inicialmente ansioso pelo futuro soviético, rapidamente se desiludiu, associando Lenine a um “religioso fanático sem amor pela liberdade” e a Estaline como um “profundo dogmático”. Num dos seus postulados (“Why Men Fight”, 1916), Russell equacionou a implementação de um governo mundial, visão que consolidaria nos anos seguintes, apoiando-se na propensão de progresso e de desenvolvimento que o mundo poderia seguir. As instituições internacionais que viriam a ser fundadas nas consecutivas décadas acabam por corroborar parcialmente a ideia do filósofo. Já no que toca à sexualidade, o inglês sempre viu com naturalidade a eventualidade do sufrágio feminino, a utilização de métodos contracetivos, a poligamia, a educação sexual e a homossexualidade, inspirando vários autores que em si viram como uma insigne referência a quebrar tabus e a apelar à coesão e transparência social.

É a ambição de possuir, mais do que qualquer outra coisa, que impede os homens de viverem de uma maneira livre e nobre.

Bertrand Russell sobre a ambição.

Na sua autobiografia, Russell produziu uma espécie de código de conduta assente em dez princípios, sendo, por isso, designado como “decálogo”. Aqui se apresenta:

  1. Não tenhas certeza absoluta de nada.
  2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
  3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.
  4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória que depende da autoridade é irreal e ilusória.
  5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.
  6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.
  7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
  8. Encontra mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.
  9. Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.
  10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.

Bertrand Russell foi um dos intelectuais mais holísticos que a humanidade alguma vez conheceu. Trata-se de uma figura que, apesar de deter origens abastadas e vitorianas, tratou de desmistificar e de pacificar. Foram estas as duas grandes máximas de uma carreira social de enorme reconhecimento, aliando a isto a competência e a influência que possuiu no desenvolvimento de uma lógica matemática e de uma filosofia científica. O manancial de escritos e de ditos que deixa registado em distintos suportes é um dos mais ricos aglomerados de património a que temos acesso. Congregador e interdisciplinar, tentou definir verdades incontestáveis para a matemática e para a filosofia a partir do simbolismo que a lógica propunha de forma a eliminar os paradoxos nos quais a ciência dos números estava submergida (“Principia Mathematica“). É nesta oferta de um novo ar a respirar que se assume a figura de Bertrand Russell, tanto na vertente da ciência como do pensamento. Novos rumos foram identificados e justificados, novos trilhos estratificados. O esplendor de uma obra e de um gentleman que, de experiente e sapiente predicado, se expandiu na amplitude de um ângulo logicamente qualificado.

O segredo da felicidade é o seguinte: deixar que os nossos interesses sejam tão amplos quanto possível, e deixar que as nossas reacções em relação às coisas e às pessoas sejam tão amistosas quanto possam ser.

Bertrand Russell e a felicidade.

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