Big Brother

por Bernardo Oliveira,    26 Julho, 2019
Big Brother
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A noite é amiga de todos os que pensam. Estabelece uma relação de amizade com aqueles que, na escuridão, sozinhos, se debruçam sobre questões pertinentes que poderiam originar múltiplos debates calorosos, onde vários intervenientes colocariam e discutiriam as suas opiniões. Algures na minha almofada, numa dessas madrugadas que chegam todos os dias, lembrei-me do livro de George Orwell, o clássico 1984.

Mil novecentos e oitenta e quatro, ironicamente publicado em 1949, apresenta-nos um mundo controlado pelo Big Brother, que observava todos os cidadãos e sancionava aqueles que fugissem da linha do regime. Numa alegoria que tinha em mente o mundo soviético, o autor deu a conhecer o que considerava ser uma ameaça presente no século XX, mais próximo de nós do que muitas vezes julgamos. Considerado por muitos como um visionário, Orwell apresentou-nos os perigos de uma sociedade totalitarista.

Um pensamento direcionado para um ‘’simples’’ livro levou-me para algo ainda maior. Não será toda a sociedade, atualmente, controlada por uma espécie de Grande Irmão? Pensei que fosse pertinente… Oxalá tivesse uma mesa redonda no meu quarto, com mais participantes, para dialogar e discutir ideias. Entre os vários cantos do mundo, são inúmeras as almas que se iluminam pelo mais variado número de dúvidas, por mais estapafúrdias que possam parecer. Eu fui apenas mais um.

Recuperando então a minha linha de raciocínio, fui desenhando argumentos que pudessem sustentar uma resposta à pergunta por mim apresentada. Assim, pensei primeiro nas redes sociais. O que são as redes sociais hoje em dia? São espaços onde publicamos tudo o que tenha a ver connosco. Partilhamos aquilo que gostamos ou queremos criticar, publicamos opiniões sobre variados temas, colocamos fotos mostrando onde estivemos. Se pararmos para pensar, não é um pouco estranho demitirmo-nos assim da nossa privacidade, dando a conhecer a todo o mundo o nosso dia-a-dia? Há pouco tempo vi uma série, You, onde o protagonista conseguia saber todos os passos da rapariga que pretendia conquistar recorrendo apenas aos seus perfis das redes sociais. Não é assustador que isso seja algo possível na sociedade de hoje? Para além disso, a pegada digital que deixamos não se apaga, é como que um cadastro que nos persegue e não tem volta a dar. É uma espécie de bomba- relógio, que pacientemente espera pelo dia em que possa explodir nas nossas vidas. A opinião que demos há uns anos, mas que agora discordamos, pode ser arremessada contra nós, não porque ainda concordemos com ela, mas porque foi, em tempos, publicada na internet. E podemos ainda adicionar os hackers. Veja-se um exemplo comum a todos: o Facebook. As nossas mensagens podem ser hackeadas e facilmente expostas em praça pública. Quantos diálogos já não ficaram visíveis para todos (ou quase todos)? Quantos dados já não foram conseguidos por terceiros? Por muito cautelosos que possamos ser, há sempre algum passo dado em falso. Um documento deixado numa nuvem, um texto mal reciclado. Todos podemos um dia ser alvos, e muitas vezes não temos essa noção.

Depois, pensei na liberdade. E o que é a liberdade? Numa rápida pesquisa, li que o termo remete para a autodeterminação, independência ou autonomia. No entanto, se pensar a fundo, penso que não é isso que acontece no mundo em que vivemos. Para mim, por exemplo, sermos livres implica ter acesso a tudo o que queremos, não tendo quem nos selecione aquilo que posteriormente iremos ver. Liberdade não pode ser apenas de expressão, mas também de pensamento livre. E isso implica não esquartejar pessoas, sobretudo nas redes sociais, para mim ‘’os cafés do século XXI’’, devido a uma orientação política, sexual ou clubista diferente.

Contudo, se pensarmos bem e olhando para aquilo que consumimos, podemos verificar que notícias lidas por nós são controladas pelos jornais. O que vemos na televisão é escolhido por alguém. A corrupção vai acontecendo, mas os cidadãos não sabem, porque não lhes é apresentada. A justiça tem-se descredibilizado, com várias decisões controversas e de aparente fácil resolução para a pessoa mais comum. Os jornais e a televisão parecem atravessar uma crise de conteúdo que apenas prejudica os seus consumidores. Liberdade não pode ser feita de qualquer forma. Para haver liberdade, não pode haver interesses por trás. Não pode haver associação a partido X ou clube Y. A imparcialidade é um parâmetro crucial para sermos livres e, hoje, isso não acontece em muitos casos. Numa viagem que realizei há pouco tempo, fui olhando para as casas em várias aldeias e apercebendo-me da importância do pequeno ecrã. Todas as casas têm uma televisão. Todas. Então, não será importantíssimo o que nela é transmitido? Quão poderosos são os responsáveis pelos mais diversos canais? É algo incalculável.

Por último, e porque as horas iam avançando, lembrei-me de algo tão simples como câmaras de segurança. São elas que muitas vezes ajudam a deter crimes, seja em flagrante delito ou como prova da passagem do suspeito em determinado sítio e hora. É verdade que é um recurso muito útil e que garante a segurança de todos nós. No entanto, a sua utilização não serve para controlo, assim como o Big Brother? Quem está por detrás das câmaras observa tudo o que cada pessoa faz no sítio específico onde se encontra. Não poderão surgir aqui interesses conflituantes? De um lado a segurança que nos garante, do outro a falta de liberdade e privacidade que é inerente ao próprio conceito de vídeo vigilância. Sem nos apercebermos, alguém numa sala com acesso a inúmeras câmaras pode estar a olhar para nós. Curioso, não?

Em conclusão, admito: não consegui resposta. Por mais que pense, julgo que precisaria de ouvir várias opiniões para acabar por consolidar um pensamento proveniente de mais uma insónia. No entanto, resposta não chegou. E eu adormeci.

Texto de Bernardo Oliveira

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