Black Ancient Futures no MAAT: entre a resistência e a utopia

Patente no MAAT desde 18 de Setembro, a exposição Black Ancient Futures termina no próximo domingo, 16 de Março. Entretanto, e no âmbito da Festa da Francofonia, na quinta-feira, dia 13 de Março, ainda é possível não só ver a mostra que reúne 11 artistas de África e da diáspora africana, como se pode assistir à projecção do filme “Augure” de Baloji, seguida de uma sessão de perguntas e respostas com o artista e de um DJ-set de DIDI (bilhetes aqui).
A exposição Black Ancient Futures, com a curadoria de João Pinharanda e Camila Maissune, foi concebida como um espaço de reflexão sobre justiça racial e histórica e também como um exercício de imaginação utópica. A exposição, que ocupa vários espaços interiores e exteriores do MAAT, busca libertar-se do peso exclusivo da negatividade histórica e do presente como um projeto de substituição, propondo um futuro de abundância, bem-estar e cura, ancorado num passado pré-colonial rico em mitologias e conhecimentos. Esta abordagem desafia as representações dominantes da África na arte contemporânea, oferecendo possibilidades criativas emergentes do cruzamento entre culturas africanas e outras geografias.

Segundo Maissune e Pinharanda, o objetivo era criar uma “realidade de ruptura e renovação”, onde os trabalhos não apenas denunciem as opressões coloniais e contemporâneas, mas também ofereçam alternativas visionárias para o futuro. Essa proposta é evidente nas obras dos artistas participantes, que exploram temas como espiritualidades não-ocidentais, migração forçada e voluntária, tecnologia pós-industrial e memória ancestral.
Entre as obras dos 11 artistas, alguns expondo pela primeira vez em Portugal, são explorados diversos temas, desde a migração e a espiritualidade não ocidental até à tecnologia, criando um universo criativo único que desafia narrativas convencionais. A exposição não se limita a ilustrar tendências históricas ou movimentos específicos, mas invoca uma combinação de técnicas, disciplinas e linguagens para criar narrativas mágicas e de ficção científica.
Dentre as várias obras, destacam-se: Jeannette Ehlers, em We’re Magic. We’re Real #3 (These Walls), utiliza o cabelo como símbolo de resistência, conectando performers à fachada do MAAT através de longas tranças; Lungiswa Gqunta, com Sleep in Witness, combina areia e arame farpado para evocar feridas e cicatrizes, refletindo sobre a intersecção entre natureza e história humana; Gabriel Massan cria mundos digitais imersivos em Third World: The Bottom Dimension, desafiando percepções sobre desigualdade social; Evan Ifekoya transforma água em metáfora espiritual para conectar histórias diaspóricas e promover a cura colectiva, num jogo de reflexos e de som; e Kiluanji Kia Henda, em Ícaro 13, utiliza humor e ironia para satirizar discursos de superioridade europeia e nacionalismos africanos, confrontando o racismo estrutural e as elites africanas que replicam lógicas coloniais. Cada obra oferece uma crítica social poderosa, desafiando o espectador a repensar o passado e o futuro.
Ao percorrer os espaços do MAAT e confrontarmo-nos com as obras de Black Ancient Futures, torna-se claro que a exposição vai além da denúncia das injustiças passadas e presentes. Em vez disso, ela imagina e materializa alternativas concretas, propondo futuros possíveis através de práticas artísticas que são simultaneamente críticas e propositivas. Os mundos criados pelos artistas não são refúgios utópicos, mas sim laboratórios experimentais onde se exploram novas formas de relação, conhecimento e existência.

No contexto português, estas críticas sociais adquirem uma relevância particular. Portugal, que frequentemente minimiza o seu papel no tráfico atlântico de escravos e na exploração colonial, é confrontado com as suas contradições não resolvidas. A exposição, realizada em Belém, zona historicamente ligada à expansão marítima portuguesa, desafia o mito do “colonialismo suave”, uma falácia desmentida pela investigação histórica.
O gesto mais radical de Black Ancient Futures é a recusa em aceitar dicotomias simplistas. Em vez de inverter hierarquias, a exposição busca dissolvê-las. Não substitui uma narrativa dominante por outra, mas multiplica as possibilidades de narração. Além de criticar o presente, arrisca-se a imaginar futuros. E, acima de tudo, não limita a experiência negra a uma história de opressão, reconhecendo também as suas dimensões de criatividade, resistência e transcendência. Black Ancient Futures permanece como um testemunho vivo da força transformadora da arte e da imaginação, convidando-nos a sonhar com um mundo onde a abundância e o bem-estar sejam a norma, e não a excepção.
Catálogo da exposição Black Ancient Futures já disponível na loja do museu.