‘Black Origami’: O florescer de Jlin na vanguarda da música electrónica experimental

por Miguel de Almeida Santos,    31 Maio, 2017
‘Black Origami’: O florescer de Jlin na vanguarda da música electrónica experimental
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O footwork é um género musical que tem ganhado notoriedade na actual década mas as suas origens remontam aos anos 90 do século passado e à cidade de Chicago nos Estados Unidos. A sua sonoridade está intimamente ligada a uma dança do mesmo nome, que envolve o movimento rápido dos pés com voltas e torções executadas com mestria, normalmente à estonteante velocidade de 160 batidas por minuto. Na sua fase inicial, o footwork inspirou-se nos ritmos fervorosos de géneros musicais como o juke ou o ghetto house, mas o seu som foi-se alterando ao longo do tempo, especialmente pelas mãos de artistas como R.P. Boo, ou o falecido DJ Rashad (o seu aclamado álbum Double Cup é uma excelente introdução a este curioso género musical). Actualmente, o footwork continua assente na velocidade estrondosa que caracteriza as batidas, mas há uma incorporação de ritmos sincopados, frenéticos, e samples “transfiguradas” das mais variadas origens.

No âmbito deste género musical, Jerrilyn Patton, ou como é conhecida no mundo da música electrónica, Jlin, é uma das artistas mais refrescantes do momento. Apesar de a sua origem musical estar intimamente ligada ao footwork (os seus mentores na indústria são R.P. Boo e DJ Rashad, com quem inicialmente comunicava através do Myspace), as suas criações musicais são mais experimentais e não se restringem só a este género. Não é exactamente música de dança, é desafiante e complicado de desvendar. Há uma grande percentagem de imprevisibilidade na sua produção, um desejo de deixar o ouvinte expectante, sem saber o que esperar a seguir e a questionar se o espaço sonoro será ocupado por algo mais ou será só um momento vazio.

Dark Energy, o seu primeiro projecto, lançado em 2015, espelha essas intenções: o álbum é uma avalanche sonora polirrítmica, uma confusão caótica a fervilhar num universo electrónico curioso e por vezes exaustivo, recheado de samples mais ou menos trabalhadas (pedaços sonoros do jogo Mortal Kombat em “Infrared” ou do filme de terror Carrie em “Abnormal Restriction”), e composto por sons mais abrasivos como o teclado 8-bit que arrebata momentaneamente os tímpanos em “Black Diamond”. Em Black Origami, o seu novo projecto, a sua composição musical atinge novos níveis de abstração, com samples mais “obscuras” e camufladas por efeitos.

A faixa título introduz o álbum com justiça e prepara os quarenta minutos de desordem perfeitamente ordenada que se vão desenrolar: os seus “tremeliques” iniciais a simularem cordas vão subindo de intensidade até serem abafados por um sintetizador agudo, sem nunca descurar a nuvem “ameaçadora” que se instaura, como se existisse um caos aterrador sempre à espreita. Esse “estado de alerta” descreve o álbum fielmente: as músicas soam temerosas, sérias, e os vários elementos musicais sincopados que as compõe incutem uma velocidade assustadora, como o correr exacerbado de uma presa face à investida do predador. Sons vão e vêm, surgem do nada e voltam para o nada, acompanhados da já habitual batida fragmentada e epiléptica.

Nota-se uma maior liberdade na produção de Jlin, provavelmente relacionado com o facto de, alguns meses depois do lançamento do seu primeiro álbum, a rapariga ter abraçado a carreira de músico a tempo inteiro, despedindo-se do seu trabalho numa fábrica de aço. O seu trabalho prévio convida a suposições sobre a inspiração de Jlin enquanto autora de música com uma produção industrial, mas a artista rejeita este tipo de rótulos, é uma associação demasiado “fácil”. A complexidade e “rigidez” da sua música podem também estar relacionadas com a paixão de Jlin pela matemática, algo lógico e metódico, semelhante ao seu processo de composição musical: a artista constrói os temas de forma linear, um de cada vez, elemento a elemento, num processo demoroso que revela uma disciplina e cuidado sobre-humanos, semelhante à resolução de um problema matemático.

Black Origami é um trabalho que tem tanto de desafiante como cansativo. É um álbum vivo, explora a mesma atmosfera mas não abusa da repetição. No entanto, ao fim de algumas músicas torna-se extenuante. Tem elementos do footwork como as samples transfiguradas e as batidas fugazes mas Jlin cria uma música genuinamente sua, inconfundível e fresca no panorama da música electrónica. Não é propriamente um álbum que agrade à maioria do público mas a música vive é disto: de criativos dispostos a explorar os limites do som, de artistas que se embrenham na experimentação acérrima e que despertam curiosidade nos seus ouvintes. E Black Origami é um desses projectos, eclético, explorador, o output de uma criadora cujo talento parece não conhecer fronteiras.

Músicas preferidas: “Black Origami”; “Hatshepsut” e “Never Created, Never Destroyed”

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