Carta de Junot aos portugueses

por Pedro Saavedra,    28 Janeiro, 2022
Carta de Junot aos portugueses
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O GRANDE NAPOLEÃO meu Amo envia-me para vos proteger, eu vos protegerei. Assim é assinada a carta escrita aos habitantes de Lisboa pelo General Junot. O General queria assim apaziguar os que o temiam, os que achavam que a chegada dos franceses equivalia à chegada do anti-cristo, os que achavam (segundo ele) que a mudança era coisa de meter medo. Na carta bilingue, em francês, língua do invasor, e português, língua do invadido, faziam-se vários alertas como os que agora fazemos quando se vão iniciar obras de grande vulto na via pública, para que todos se possam desviar daquele perigo, e sobretudo para que aqueles que por ele forem prejudicados não se possam queixar a posteriori.

Prejudicados foram os que às centenas se tornaram as baixas que a entrada do exército francês provocou, e mais não houve, dos dois lados, porque a retirada da corte para alto mar o impediu. Às portas da capital do reino, Junot, com o título de Governador de Paris e Primeiro Ajudante de Campo de S.M o Imperador e Rei, emitiu então o famoso decreto aos habitantes de Lisboa; O meu exército vai entrar na vossa cidade, eu vim salvar o vosso povo e o vosso Príncipe da influência maligna da Inglaterra. Junot acreditava, como Napoleão, que os problemas do mundo se concentravam na monarquia absoluta e no poder que a religião ainda exercia sobre todas as dimensões do dia-a-dia. Nisso, a Inglaterra era a antítese, a oposição malvada aos ideais que o iluminismo tinha insuflado na revolução francesa.

Os revolucionários! Os bárbaros franceses! Como eram gritadas as notícias que lhes descreviam as pilhagens, roubos e violações que iam fazendo pela estrada das Beiras, assustavam toda a gente. E aos franceses não lhes interessava manter eminente uma sublevação popular numa cidade do tamanho de Lisboa, porque apesar do ridículo da oposição do exército português, a oposição do povo nas ruas era coisa contra-revolucionária, e se os franceses queriam ser pró-revolucionários! O povo deveria assim ser educado a revolucionar-se contra os pérfidos conselheiros que aconselhavam o Príncipe Regente português a não proteger os seus vassalos, que agora, sim, podiam sentir-se libertados.

Todas as forças invasoras precisam de um motivo. Uma justificação ulterior, moralmente aceite, para invadir um território. Porque há um direito divino, social ou cultural, podemos assim invadir-vos. Por isso não é necessário o medo ao comum dos mortais, apenas àqueles que para os invasores são os malvados e para os invadidos são os resistentes. Como dizia o Capitão Jean-Baptiste em A Morte de Abel Veríssimo; “(…) e para te ajudar nisso conto-te a verdadeira história do Capitão Jean-Baptiste, o vigarista que está à tua frente. Não sou francês, nem nunca estive em França. Pelo que sei, o meu pai era um legionário do exército de Massena que, em retirada para Ciudad Rodrigo, desertou pelas serranias da fronteira e nela, teve a grande sorte de encontrar a minha mãe com um rebanho de cabras. Neste caso, as mentiras sobre os violadores franceses, sobre os monstros revolucionários comprova-se pelo contrário. O rapaz que não teria mais que uns dezanove entregou-se à família da minha mãe e renunciou a tudo o que tinha trazido, na sua bagagem ideológica, por amor. A maioria dos homens encara a política como um exercício dos poderosos e como sempre, a história esquece sempre os moderados. Morreu, com alguma febre, e nunca o conheci. A minha mãe também não aguentou e entregou-me a uma tecedeira de anjos. E a história ficou-se por aqui. Nem era importante conhecê-lo, mas sim reconhecê-lo, isso sempre quis fazer e por isso roubei esta farda, perdida num quartel qualquer, e assumi o nome do santo protector da minha aldeia, mas em francês.”

Como ele e tantas outras personagens antes dele, a história esquece sempre os moderados, e só lembra Príncipes e Generais, por isso, só nos resta imaginar a resposta que os Lisboetas deram a Junot.


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