“Catarina e a beleza de matar fascistas” é Prémio Ubu de melhor peça estrangeira em Itália
A peça de teatro “Catarina e a beleza de matar fascistas”, escrita e encenada por Tiago Rodrigues, venceu o Prémio Ubu de melhor espetáculo estrangeiro de teatro em Itália, de acordo com o palmarés publicado pela organização.
“Este prémio Ubu é particularmente importante se pensarmos que, quando o espetáculo se apresentou em Itália, um partido de extrema-direita exigiu a sua censura, sem sucesso”, escreveu hoje o dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues, atual diretor do festival de Avignon, na sua página no Facebook, recordando que “esse mesmo partido acabaria por ganhar as eleições” no país.
“Catarina e a beleza de matar fascistas” retomou a digressão internacional em Itália, no passado mês de abril, no Teatro Argentina, em Roma, passando depois pelo Teatro Storchi – Emília Romagna, em Modena, antes de voltar a Portugal e França.
A estreia da peça na sala do Teatro di Roma foi acompanhada de protestos de forças de extrema-direita, com um deputado do partido Irmãos de Itália (Fratelli d’Italia), Federico Mollicone, a pedir que o espetáculo fosse retirado do cartaz.
Estreada em setembro de 2020, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, a peça centra-se numa família que tem por tradição matar fascistas, ritual que a mais nova de todos, Catarina, se recusa a cumprir. Catarina argumenta que todas as vidas devem ser defendidas, sendo necessário falar e entender aqueles que acabam por votar na extrema-direita, não sendo fascistas.
A obra culmina com um longo monólogo do dirigente de extrema-direita, que entretanto alcança maioria absoluta e conquista o poder.
“Catarina e a beleza de matar fascistas” tem uma “dimensão profética” que Tiago Rodrigues não esperava, como disse no passado mês de setembro, numa entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social, no âmbito dos 50 anos das comemorações do 25 de Abril e dos 40 anos do clube.
“Hoje, quando estivermos a ensaiar essa cena [o monólogo], não posso não pensar em Itália. Há coisas que não tinham acontecido há três anos. Parece que a peça tem uma dimensão profética que eu não desejava”, afirmou então Tiago Rodrigues.
“O discurso é tão insuportável, tão provocatório que o público não pode senão reagir“, prosseguiu Tiago Rodrigues, na mesma entrevista, recordando reações diversas, em diferentes palcos: “Em Portugal, têm cantado a ‘Grândola’, em Itália, a ‘Bella Ciao’, em Viena, o público levantou-se. Ver esses públicos reagir é algo que me devolve confiança, mas ao mesmo tempo preocupa-me que o público tão facilmente se revolte contra um ator”.
A peça “tem de acabar assim porque é uma tragédia“, acrescentou. “Ali o que acontece é a vitória da extrema-direita pela incapacidade, a impossibilidade de uma democracia, naquele caso uma família que quer defender a democracia pela violência e mesmo assim é incapaz de impedir a vitória de um discurso fascista e antidemocrático”.
A ideia foi mesmo colocar em palco um discurso que muitos dos espetadores abominam, mas como “o teatro ainda é um lugar revolucionário”, as pessoas são expostas a esse discurso quando não esperavam que esse discurso emergisse.
Sobre o pedido do deputado dos Irmãos de Itália, para que o espetáculo fosse retirado de cartaz, Tiago Rodrigues viu “esta ameaça desenvolver-se de uma forma que põe em causa uma ideia de democracia, de continente europeu, como continente democrático“, como afirmou em setembro.
Hoje, Tiago Rodrigues vê na atribuição do prémio a recompensa “do esforço de toda uma equipa“, e “um convite a regressar a Itália, apesar do seu governo“. E garante: “Voltaremos. Grazie.”
Quando da estreia da peça em Itália, o atual diretor do Festival de Avignon, em França, agradeceu aos responsáveis da sala italiana, Giorgio Barberio Corsetti e Francesca Corona, assim como “a toda a equipa do Teatro di Roma pelo acolhimento tantas vezes adiado por causa da pandemia”.
Hoje, Tiago Rodrigues voltou a agradecer “à equipa do espetáculo, à equipa do D. Maria II e às equipas dos diversos teatros europeus que coproduziram este trabalho e que o têm acolhido desde setembro de 2022 até há alguns dias, quando [terminou] a digressão em França“.
O Prémio Ubu foi criado em 1977 pelo crítico italiano de teatro Franco Quadri, é organizado pela Associazione Ubu per Franco Quadri, e constitui o principal galardão de teatro em Itália.
Em 2018, Tiago Rodrigues tinha já sido nomeado para os Prémios Ubu, na categoria de Melhor Novo Texto Estrangeiro e Escrita Dramatúrgica, pela peça “Tristeza e alegria na vida das girafas”.